29 de set. de 2014

Tradição no ensino primário tijucano: a Escola Soares Pereira

Tradição na educação pública tijucana: a Escola Soares Pereira, inaugurada em 1927 na Muda

Espectadora dos passeios de charrete e do cooper matinal e noturno dos tijucanos ao redor da Praça Comandante Xavier de Brito, a Escola Soares Pereira é uma dessas arquiteturas esplendorosas do nosso bairro capaz de deixar qualquer um encantado com a sua discrição e beleza. O estado de conservação, entretanto, deixa a desejar, especialmente pelas pichações.

Avenida Maracanã 1450, Muda 
Definida pelo Guia da Arquitetura Eclética no Rio de Janeiro (Casa da Palavra, 2000) como pertencente ao estilo neocolonial luso-brasileiro, a Escola Soares Pereira foi construída em 1925, mas inaugurada apenas em 1927. Maria do Nascimento Soares Pereira, a matriarca da família cujo sobrenome batizou o colégio, doou o então recém-inaugurado imóvel ao Distrito Federal sob duas condições: que fosse sempre mantida a sua função educacional primária e o seu nome de "batismo".

Em 1988, a Soares Pereira passou por uma série de dificuldades por ser local de abrigo das mais de 400 famílias do Morro da Formiga que ficaram sem suas casas após a enchente que assolou a cidade em fevereiro daquele ano. Muitos dizem que os anos letivos de 1988 e 1989 foram os mais irregulares de sua história, já que a ocupação da população afetada no interior da escola interferiu bastante no cronograma das aulas.

Tombada pelo decreto 19.342 de 27 de set. 2000, não se sabe se a Escola Soares Pereira é aberta à visitação. De todo modo, vale a pena contemplá-la mesmo estando do lado de fora, pois emana ares de cidade do interior junto à típica e calorosa energia das escolas primárias. Fica na Avenida Maracanã 1450.

27 de set. de 2014

Um passeio pela Praça Saenz Peña dos anos 1960

Rua Conde de Bonfim e a Praça Saens Peña
nos anos 60 (Fonte: Agência O Globo)
Sobre um mosaico de impecáveis pedras portuguesas brancas e pretas, um bando de crianças brinca animadamente nas gangorras de uma pomposa praça. Rodeada por uma arquitetura clássica, a referida praça, mais conhecida como Saens Peña, é também local de exercício profissional ao fotógrafo lambe-lambe, que está à espera do iminente freguês que lhe peça por um ou dois retratos de si mesmo. 

Num rincão não muito longe dali, a mensagem "A SATI saúda o Estado da Guanabara" aparece grafada na faixa entre os postes da Saens Peña, junto a uma simpática placa que dá boas-vindas (em cinco idiomas diferentes!) ao pedestre que chega a este formoso e adorado bairro, a Tijuca. 

Na calçada adiante, margeada por uma Rua Conde de Bonfim que transita em mão única rumo à Usina, um trio de jovens fardados passa por três moçoilas que observam atentamente o letreiro do cinema Metro. Uma delas se destaca por calçar uma emblemática meia 3/4. Mas, afinal, qual filme está em cartaz? "Um homem tem três metros de altura", com Sidney Poitier e John Cassavetes. No entanto, não sabemos se elas pegarão a próxima sessão, muito embora haja uma sinalização avisando que a bilheteria fica logo ali, no hall de entrada. 

À porta do Cinema Metro: exibição do filme em cartaz chama a atenção das transeuntes (Fonte: Agência O Globo).

No cair da noite, os pilotis do Cinema Carioca emitem feixes de luz branca dando um efeito muito elegante ao saguão daquela esplendorosa sala cinematográfica, que abriga, nessa noite, certa exposição de fotos. E na calçada que serve de acesso ao saguão, diferentes senhores e senhoras conversam amigavelmente junto à esquina de uma rua que, algumas décadas depois, se transformará no pólo floricultor do bairro e num caótico passadouro de pedestres que ora se dirigem à Rua Santo Afonso, ora à Praça. 

Esse é o panorama da nossa Praça Saens Peña nos anos 1960. Todas essas imagens foram encontradas no site da Agência O Globo, que oferece ao público a oportunidade (e o deleite) de rever uma série de fotografias do seu vasto acervo. Não preciso nem dizer como esses retratos são nostálgicos! Tempos que não voltam, mas que comprovam como a Tijuca foi e sempre será um grande bairro!

Saudação da Sociedade de Amigos da Tijuca ao então novato Estado da
Guanabara. Observe, ao lado, a placa poliglota de boas-vindas
à Tijuca (Fonte: Agência O Globo)
A meninada brinca solta nas gangorras da Praça. Ao fundo, a Rua Conde de
Bonfim: da esquerda para a direita, vê-se o Cinema Carioca, o
Café Palheta e o local onde hoje se encontra uma galeria comercial.
(Fonte: Agência O Globo)

O lambe-lambe à espera de sua freguesia. Que praça bonita!
(Fonte: Agência O Globo)

Os pilotis iluminados do Cinema Carioca. Em primeiro plano, a Rua Major
Ávila, hoje conhecida como Rua das Flores. (Fonte: Agência O Globo)

Placa de rua da Praça Saens Peña (Fonte: Agência O Globo)

Um poste no meio da Conde de Bonfim? Que esquisito! À direita,
vê-se ao lado do cinema Art Palácio o extinto supermercado Casas da Banha.
Hoje, é a calçada correspondente à Leader Magazine (Fonte: Agência O Globo)

* A veiculação dessas imagens não possui a intenção de violar os direitos reservados à Agência O Globo.

20 de set. de 2014

O novo monumento da Praça Lamartine Babo: o busto de Rubens Paiva

Mãe e filha apreciam busto de Rubens Paiva na Praça Lamartine Babo: o ex-deputado federal foi torturado no Quartel
da Polícia Militar (antigo DOI-Codi) da Barão de Mesquita em 1971

A Praça Lamartine Babo, que fica no entroncamento da Rua Barão de Mesquita com a Avenida Maracanã, foi contemplada no último dia 12 de setembro de 2014 com o busto do ex-deputado federal Rubens Beyrodt Paiva. Ele, cuja morte foi anunciada oficialmente há pouco tempo durante o depoimento do coronel reformado Paulo Malhães à Comissão da Verdade, foi preso e torturado no antigo DOI-Codi da Rua Barão de Mesquita em 1971, onde fica hoje o Quartel da Polícia Militar.

O busto em detalhes: a obra é de Edgar Duvivier
Foi essa a razão da Praça Lamartine Babo ter sido escolhida como local de implantação do busto. Rubens Paiva, em sua versão de bronze produzida pelo escultor Edgar Duvivier, fica de costas para o quartel e rodeado por um pequeno jardim de ixoras ainda embrionárias. A inauguração reuniu cerca de 100 pessoas, incluindo a filha do ex-deputado, Vera Paiva, que representou a família na solenidade.

Segundo a Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), Vera alegou que "o busto simboliza um pedaço do pai reencarnado" e que "todos os desaparecidos e mortos no extinto Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) deveriam ganhar monumento na praça".

Além do busto de Rubens Paiva, que tem despertado a curiosidade dos poucos transeuntes (e dos muitos pombos!) que circulam pela Praça Lamartine Babo, é ali onde há também o tributo ao próprio compositor Lamartine Babo - vulgo "Lalá", grande personalidade tijucana -, implantado na praça em junho de 1993 pela Prefeitura em celebração saudosa ao trigésimo aniversário de sua morte.

16 de set. de 2014

A história do túnel entre a Rua Uruguai e o bairro da Gávea

O urbanista grego Constantino Doxiadis foi o fundamentador do Túnel da Rua Uruguai (Fonte: Arquivo O Globo, 1965)

Se você perguntar para algum morador do Jardim Botânico ou da Gávea se ele conhece a história do Túnel da Rua Uruguai, que conectaria a Tijuca a esse trecho da Zona Sul em instantes, muitos balançarão negativamente a cabeça. Outros vão até mesmo perguntar "onde fica essa tal de Rua Uruguai?!". Por outro lado, basta papear com qualquer tijucano típico, daqueles bem bairristas, que ele começará a falar entusiasticamente sobre esse projeto nos mínimos detalhes. Ao mesmo tempo, com um certo ar de lamentação, vai suspirar pelo fato do dito-cujo até hoje não ter saído do papel.

O chamado túnel da Rua Uruguai remete à gestão do governador Carlos Lacerda, nos anos de 1960, que contratou a equipe do urbanista grego Constantino Doxiadis para reformular toda a estrutura rodoviária da cidade. O Plano Doxiadis, como ficou conhecido, sugeriu a criação de seis vias expressas que integrariam grande parte da malha viária "guanabarense", todas estas batizadas com nomes de cores: Vermelha, Azul, Marrom, Verde, Amarela e Lilás. As linhas Vermelha e Amarela, como bem se sabe, foram implementadas nos anos de 1990. As outras não tiveram a mesma sorte ou foram executadas apenas parcialmente.

É o caso da Linha Verde, que prometia ligar a Rodovia Presidente Dutra à Gávea, "rasgando" uma grande parte do subúrbio carioca, até chegar à Vila Isabel e Tijuca e, por fim, à Gávea, através do Túnel da Rua Uruguai. É interessante notar que alguns trechos da Linha Verde ganharam forma e hoje fazem parte da malha viária da cidade. Um exemplo é a Avenida Pastor Martin Luther King (antiga Automóvel Clube) e o Túnel Noel Rosa, logradouros que fariam parte do traçado da Linha Verde.

Apesar disso, o verdadeiro filé mignon da Linha Verde, que seria esse túnel entre a Tijuca e a Gávea, parece não ter tido força econômica suficiente para ser efetivado. Há muitas hipóteses para isso: a mais lógica delas é que o Estado, naquele momento, não tinha dinheiro suficiente para criar um eixo viário de tal magnitude. Em primeiro lugar, porque o Túnel Rebouças, aberto ao lado da Tijuca em 1967, tomou muito tempo de obras e de verbas. Em segundo lugar, porque o Túnel da Rua Uruguai requereria a desapropriação de imóveis nas duas vertentes mais valorizadas da montanha: Jardim Botânico e Gávea, na sul, e o alto da Rua Uruguai, na norte, sendo este trecho considerado até hoje o mais nobre da Tijuca.

Mesmo sendo uma obra custosa, colossal, mas inteligente do ponto de vista geográfico, a integração da Tijuca com a Zona Sul também era motivada por uma necessidade de se encurtar as distâncias entre os dois espaços concentradores de alta renda do Rio em meados do século XX. Vale lembrar que intervenções segregacionistas costumam ser muito comuns entre áreas socioeconomicamente distintas (vide a remoção das favelas na Zona Sul por Lacerda), embora perceba-se, em contrapartida, que intervenções "integracionistas", isto é, entre regiões com grande concentração de renda, eram - e ainda costumam ser - de muito interesse, ocorrendo sempre que possível. Neste sentido, a construção de um túnel interligando a Tijuca à Gávea tinha motivações especialmente políticas, as mesmas que forçaram a integração da Barra da Tijuca à Zona Sul via metrô. Um outro exemplo rápido e ilustrativo a esse argumento, no passado, foi a junção da Grande Tijuca à Zona Sul no mapa funcional do Plano Diretor do Rio de Janeiro, que a definiu como um único território de planejamento (Área de Planejamento 2).

No início dos anos de 1980, o Governo do Estado desengavetou o projeto do Túnel da Rua Uruguai, mas transformando-o num túnel metroviário. Com a inauguração das estações tijucanas do metrô em 1982, a ideia era levá-lo da Praça Saenz Peña até a Rua Uruguai e, de lá, à Praça Antero de Quental, no Leblon. A estação da Rua Uruguai seria construída no espaço do então Colégio Batista Brasileiro, hoje ocupado pela Universidade Cândido Mendes, na Muda.

Segundo reportagem de O Globo de 22 de junho de 1982, intitulada  "Tome o metrô na Tijuca e vá tomar um chopinho no Leblon", o repórter Dênis de Moraes afirma que essa expansão daria forma ao "eixo básico" do metrô; no caso, a ligação em reta entre as duas regiões geograficamente muito próximas, mas separadas por uma montanha. Mesmo prevendo poucas desapropriações por ser um túnel subterrâneo - o que supostamente tornaria as obras mais baratas -, a Companhia Metropolitana tinha uma dívida externa que girava em torno de US$ 1 bilhão, o que possivelmente dificultaria a execução do projeto. A promessa era de que em 1985 o Leblon já tivesse uma conexão direta com a Tijuca e vice-versa.

Uma década depois, o túnel metroviário voltou a ser pauta do governo, mas com outro enfoque: a ligação não apenas da Tijuca com a Gávea, mas igualmente daquela com a Barra. A proposta, cuja defesa teve início em 1995 pela Câmara Comunitária da Barra, tinha o nome de "Barra Metrô 2000". Desta vez, não estava prevista uma passagem pelo Leblon, mas sim pelo Jardim Oceânico, São Conrado, Gávea e, finalmente, Uruguai. O Globo-Zona Sul de 07 de maio de 1998 alegou que o governo estadual dependia do apoio da iniciativa privada para isso e que tal demanda era uma reivindicação dos próprios moradores da Barra.

O ex-prefeito Cesar Maia cogitou a ideia de se fazer o túnel metroviário, mas não levou adiante a proposta

No final de 2000, Cesar Maia, quem voltaria a ser prefeito em 2001, rediscutiu a ideia de se construir o Túnel da Rua Uruguai mesmo que este não fosse um tema da sua alçada, já que o metrô sempre se referiu ao Estado. Em O Globo de 16 de novembro de 2000, o então futuro alcaide se comprometeu a sugerir uma parceria com a concessionária Opportrans, sob financiamento do BNDES, para a construção do túnel. Luiz Paulo Corrêa da Rocha, nomeado Secretário Municipal de Transportes na gestão de Cesar Maia, alegou na ocasião que este "era o trajeto mais simples, porque é uma linha reta. Além disso, 90% da ligação são formados por rocha, o que facilita a obra e diminui o problema das desapropriações".

Desde então, nunca mais se comentou oficialmente sobre o Túnel da Rua Uruguai, fazendo da discussão em torno do anel metroviário um tópico cada vez mais restrito aos fóruns de internet. Nem os protestos recentes de associações de moradores contra a Linha Quatro do metrô, na Zona Sul, foram capazes de defender o Túnel da Rua Uruguai como uma das primordiais medidas para se melhorar a eficiência do metrô e o deslocamento eficiente entre as duas regiões. Esses grupos falam de mil e uma alternativas para o metrô, mas parecem não ser tão entusiastas do projeto talvez por questões "segregacionistas", suponho, já que a força econômica e política da Tijuca foi consideravelmente transferida para a Barra da Tijuca ao longo dos últimos 20 anos.

Por fim, esta é a história do Túnel da Rua Uruguai, primeiramente caracterizado como uma via expressa para automóveis e, posteriormente, como uma linha de metrô. Os mais otimistas dirão que será possível sair da Gávea e chegar à Tijuca em poucos minutos na próxima década. Entretanto, diante de tantos interesses contrários a se fazer um metrô sério no Rio, cabe aos ativistas continuarem lutando pela sua implantação, e, aos mais resignados, esperar sentado.

7 de set. de 2014

Revitalização da Praça Xavier de Brito

Chafariz francês da Praça Xavier de Brito passou por revitalização nesta primeira semana de setembro

Na última semana, a Praça Comandante Xavier de Brito - vulgo "Praça dos Cavalinhos" - foi contemplada pelo projeto "Valorizando o Patrimônio" através da Secretaria de Conservação e Serviços Públicos. Um dos pontos centrais da intervenção foram os reparos técnicos efetuados no seu suntuoso chafariz, que, muitos não devem saber, embora produzido na França e destinado originalmente a uma praça europeia, acabou vindo parar aqui no Brasil para servir de fonte.

A sua chegada à Praça Xavier de Brito, no entanto, se deu apenas nos anos 1960, para o deleite dos tijucanos. Todo feito de bronze, esse chafariz dispõe de carrancas, anjinhos e golfinhos ornamentais por onde passam os filetes e o jorro d'água. Por outro lado, há tempos que esse "espetáculo aquático" se mantinha irregular. Muitos canais de saída estavam aparentemente entupidos, o que comprometia o funcionamento geral do chafariz.

No vídeo abaixo, registrado na sexta-feira 5 de setembro, filmei a atuação da Prefeitura no local e o simpático jorro d'água do chafariz funcionando em perfeitas condições:



Além disso, o jardim que margeia a bacia d'água do chafariz também foi revitalizado. Segundo o blog da Região Administrativa da Tijuca, foram plantadas mais de 900 mudas no seu entorno, número, à primeira vista, consideravelmente alto para um jardim tão diminuto. De todo modo, a Tijuca agradece a atenção dispensada. A Praça Xavier de Brito é linda mesmo e fica ainda mais esplêndida quando recebe esses tipos de zelo.

5 de set. de 2014

Das fábricas aos decadentes hipermercados: uma retrospectiva

O extinto Walmart da Tijuca, na Rua Almirante Cochrane, junto à Pedra da Babilônia: antigo Complexo Industrial da Brahma. (Créditos: Fernando Stankuns)

Um bairro de feições industriais, mas que acabou se entregando por completo ao terceiro setor: assim tornou-se a Tijuca a partir dos anos 1990, quando algumas de suas tradicionais fábricas foram fechando pouco a pouco até pulularem, em seus antigos espaços, grandes templos de consumo como os hipermercados. Em meio à recessão e às políticas neoliberais, a moda, nessa década, era consumir tal como se fazia na Barra da Tijuca, bairro importador de modelos comerciais estrangeiros para toda a cidade, sobretudo naqueles com terrenos disponíveis para a construção de colossais centros de compra.

Um dos primeiros a surgir por aqui foi o Carrefour, em julho de 1997, no antigo terreno da Fábrica Souza Cruz, que foi fechada em 1992 na Usina. Com investimento de R$ 15 milhões, a multinacional francesa inaugurou sua décima-primeira loja no Brasil justo na Rua Conde de Bonfim, causando certo frisson entre os tijucanos diante de tão modernoso hipermercado logo aqui no nosso “quintal”. Tal sinônimo de modernidade e sofisticação consistia na presença de outros tipos de lojas lá dentro, como cafeterias e lanchonetes, por exemplo, algo sem dúvida inovador na época.

Já na Avenida Maracanã com a Rua José Higino, havia a Companhia Cervejaria Hanseática, que tornou-se posteriormente na Fábrica da Brahma. Suas atividades foram encerradas no ano de 1992, no mesmo ano em que a Souza Cruz retirou-se da Usina. Segundo O Globo, durante a recessão daquele ano, embora a empresa pudesse continuar fabricando 17 milhões de litros de cerveja por mês, engarrafava apenas 8 milhões! Foram mais de 400 demissões, ao todo. Desde então, o terreno de aproximadamente 52 mil metros quadrados ficou abandonado e cheio de escombros, até que em 1999 o grupo Pão de Açúcar tornou-se proprietária dali para erguer, no ano 2000, o Extra Maracanã, hipermercado no mesmo molde do Carrefour: bastante imponente, grandioso e com o diferencial de funcionar 24 horas!

Companhia Hanseática Cervejaria, na Rua José Higino 115: registro de Augusto Malta.

O Extra ficou por muito tempo conhecido como um supermercado tijucano já que muitas das suas filiais localizavam-se na Grande Tijuca: Extra Mariz e Barros, onde era o antigo Superbox, e o Extra Boulevard, onde funcionava o Paes Mendonça de Vila Isabel e, claro, a antiga Fábrica de Tecidos Confiança. A alcunha tijucana também lhe era muito comum por ter sido um dos estabelecimentos comerciais precursores em expor fotos antigas do bairro em seus vastos corredores.

Tal prática de estímulo à memória cultural da região se alastrou por restaurantes, lojas, cafés, drogarias e até mesmo por outros hipermercados, como o estadunidense Walmart, que mesmo sem relação íntima alguma com a Tijuca, sabe-se bem que fez de tudo para angariar a simpatia dos tijucanos. Inaugurado no segundo semestre de 2007 no antigo Complexo Industrial da Brahma da Rua Almirante Cochrane 146, o Walmart era mais bem visto como um local capaz de dar maior sensação de segurança pública ao seu lúgubre entorno do que propriamente uma opção de onde-se-fazer-compras. Resultado: suas dependências, sempre vazias, foram fechadas ao público em outubro de 2013.

O caso do Carrefour: planos que nunca saíram do papel  

Carrefour da Usina
O fechamento do Walmart, no entanto, não foi pioneiro. Em abril de 2005, o Carrefour deu seus últimos suspiros na Usina. Diz-se que uma das grandes razões do seu insucesso tenha sido a instável segurança pública da época, que culminava em eventos muito frequentes de tiroteios dada a sua proximidade com a favela do Borel, Casa Branca e Indiana. Além disso, parece que assaltos e saques ao Carrefour eram também muito comuns, o que afugentava os fregueses.

Quem passa hoje pela Conde de Bonfim, indo ou vindo do Alto, depara com o espectro de um gigantesco hipermercado cujas vidraças já não existem, e de onde, inclusive, surgiram galhos e plantas entre as fissuras das antigas esteiras rolantes. Ainda é possível ver um ou outro cartaz indicando as promoções do dia, mas quase ilegíveis pelos seus tons amarelados.

Ideias para o local sempre foram muito recorrentes. Em agosto de 2009, o então secretário municipal de habitação Jorge Bittar apresentou a proposta de se construir ali um conjunto habitacional que serviria de residência para os moradores da Favela Indiana, permitindo, deste modo, que tal assentamento pudesse ser removido da Rua São Miguel.

A proposta foi vista com grande polêmica e alarde por muitos moradores, que temiam ter seus imóveis desvalorizados com a possível degradação do local sob o argumento de que "as políticas públicas atuais nem sempre são contínuas e capazes de manter algo daquele porte". Por fim, a última notícia que se teve é que o ex-Carrefour foi comprado em 2010 pela BVA Empreendimentos, que, em sociedade anônima, atua nos segmentos bancário, imobiliário e de energia.

Extra Maracanã: futuro Shopping Conviva Maracanã

Extra Maracanã: erguido junto à antiga Fábrica da Brahma, em 2000.
Fonte: Um coração suburbano
Se por um lado o Carrefour e o Walmart não resistiram à crise, o Extra Maracanã, por sua vez, continua suportando o tempo de vacas magras sem economizar nos sinais de decadência. No ano 2000, quando foi inaugurado, seu espaçoso ambiente era sinônimo de modernidade e conforto. Hoje, quem o frequenta percebe claramente que o número abundante de caixas registradoras é over, enquanto a seção de CDs, DVDs e livros parece ser quase inútil em tempos tão digitais. Na fachada, o letreiro está amarelado e com algumas pichações. Cenário similar é o da filial-irmã na Rua Mariz e Barros, que clama por reforma.

No entanto, a localização nobre - junto à Rua José Higino - tem sido vista como ponto estratégico para a GPA Malls, que anunciou a futura instalação do Conviva Maracanã ali, algo que eles chamam de shopping de vizinhança, definido como uma "alternativa de espaço comercial para lojistas, com a praticidade e segurança dos grandes shopping centers e o despojamento do comércio de rua". O projeto foi conceituado a partir de pesquisas qualitativas sobre o comportamento dos consumidores da região da Tijuca objetivando oferecer um mix de lojas inteligente que atenda à comunidade local.

Ainda não se sabe, porém, se o Conviva Maracanã transformará o Extra em Pão de Açúcar, como aconteceu com o antigo Freeway da Avenida das Américas, na Barra, o primeiro "Conviva" carioca. Em suma, a ideia do shopping de vizinhança é a criação de um pequeno centro comercial que reúna uma série de lojas de apelo doméstico e gastronômico, além de pet shops e academias de ginástica. Resta saber se manterão o Centro Coreográfico do Rio de Janeiro no local.

Um destino para o Walmart?

No final de 2013, assim que o Walmart encerrou suas atividades na Almirante Cochrane, capitaneei um movimento a favor da transformação deste terreno em um complexo cultural e de entretenimento (nosso abaixo-assinado: http://goo.gl/pauWcK). A ligeira repercussão causou-me uma nota jornalística no O GLOBO-Tijuca de 19 de dezembro de 2013. Na época, a multinacional estadunidense afirmou que já estava em fase de negociações com outras empresas interessadas no local. Suspeitava-se que ali se converteria numa Leroy Merlin, algo que definitivamente, pelo menos até agora, não saiu do papel. E hoje, quem passa pela Almirante Cochrane, consegue prever que o extinto Walmart está fadado à mesma alcunha do já comentado Carrefour: a de um verdadeiro elefante branco na Tijuca.

Material consultado:

ARAÚJO, Ledice. Carrefour vai inaugurar filial na Tijuca semana que vem: empresa pretende investir R$ 300 mihões ainda este ano. Economia. O Globo, 1 jul. 1997, p. 26.

KOPSCHITZ, Isabel. Prédio do Carrefour é vendido. O Globo-Tijuca. O Globo, 23 set. 2010, p. 2.

MASCARENHAS, Gabriel. Loja do Carrefour nos planos da prefeitura. O Globo-Tijuca. O Globo, 13 ago. 2009, p. 2.

SANTOS, Ana Cecilia. Dança renasce nos escombros: o centro coreográfico criado pela Prefeitura ocupará ruínas da Brahma. O Globo - Tijuca. O Globo, 21 jan 1999, p. 8.
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