15 de out. de 2015

Elitização, crescimento demográfico e opções domiciliares: o perfil da Tijuca entre 2000 e 2010

Vista aérea da Tijuca: de acordo com o Observatório das Metrópoles (UFRJ), região, que faz parte do
núcleo da cidade, se elitizou entre 2000 e 2010 (Foto: Guilherme Canhetti).

Entre 2000 e 2010, a região compreendida pela Tijuca, Praça da Bandeira e Alto da Boa Vista apresentou índices de maior elitização. É o que mostra o livro Rio de Janeiro: Transformações na Ordem Urbana, a ser lançado neste mês pelo Observatório das Metrópoles , instituto de ciência e tecnologia vinculado à UFRJ, e pela editora Letra Capital. Com base em dados do IBGE e dos dois últimos Censos Demográficos apresentados na obra, o número de categorias superiores profissionais - isto é, formadas pela classe de dirigentes, profissionais de nível superior e pequenos empregadores - residindo no bairro subiu de 35%, em 2000, para 42% em 2010, impactando na redução de categorias médias e de trabalhadores manuais.

Segundo os professores do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR/UFRJ) Luciana Corrêa do Lago e Adauto Lucio Cardoso, autores do capítulo dedicado à análise das classes sociais na ocupação do território carioca, o processo de elitização de uma área é evidenciado sempre que a renda média do chefe de domicílio com imóvel próprio em prestação é maior que a do chefe de domicílio com imóvel já quitado. Em todos os bairros do núcleo metropolitano, composto pelas regiões administrativas da Lagoa, Copacabana, Botafogo, Barra da Tijuca, Vila Isabel e Tijuca, foi evidenciado esse processo. Em 2010, na Tijuca, a renda dos chefes com domicílio quitado era de R$ 8.080,00, ao passo que a dos que ainda estavam pagando prestação era de R$ 10.639.

Fonte: Observatório das Metrópoles.

A Tijuca também foi a terceira região que mais recebeu lançamentos imobiliários (2.198) entre 2001 e 2010, perdendo apenas para Botafogo, que teve 5.435 lançamentos, e a Barra, com 31.921. Além disso, tal número mostra a possível disparidade entre Tijuca e Vila Isabel, que no período mencionado teve apenas 327 lançamentos, reforçando a tradicional valorização da primeira região em relação à última embora se tratem de áreas geográficas contíguas. A taxa anual de crescimento demográfico foi igualmente maior na Tijuca (0,6%) do que na Vila (0,2%), mas ambas abaixo da taxa média correspondente à região metropolitana do Rio de Janeiro, que foi de 0,9%. 

Quanto aos tipos de domicílio, o artigo mostra que quase 80% dos tijucanos moram em apartamento, assinalando a alta concentração de edifícios no bairro, contra 16% vivendo em casas e 14% em favelas. Já quanto à renda per capita, aponta-se que os chefes de família com imóvel alugado na Tijuca, em 2010, têm renda maior (R$ 7.687,00) que a dos chefes de bairros como Botafogo (R$ 7.593,00) e Copacabana (R$ 6.601,00). No entanto, é curioso observar como essas três regiões se inverteram no que se refere à análise das rendas dos chefes com imóvel próprio em prestação. Em 2000, neste quesito, a Tijuca detinha renda maior (R$ 10.300,00) que as de Copacabana (R$ 7.914,00) e Botafogo (R$ 9.409,00), mas ultrapassada por estes em 2010.

Fonte: Observatório das Metrópoles; IBGE - Censo Demográfico, 2010.
Fonte: Observatório das Metrópoles.

Muito além da apresentação de dados quantitativos, não só este artigo como o livro todo em questão analisa os impactos sociais das transformações urbanas ocorridas no Rio de Janeiro de 1980 para cá. Uma das grandes reflexões dos autores é que o caráter de elitização dos bairros listados pode ter consequências nocivas quanto à harmonia das condições sociais na cidade. A “expulsão” de camadas médias profissionais e de trabalhadores desqualificados dos bairros do núcleo para as periferias tende a polarizar ainda mais a ocupação das classes mais altas em uma determinada porção do território – no caso, a Zona Sul, Barra, Tijuca/Vila Isabel e parte de Niterói.

Na perspectiva desta obra, tal cenário acentua as desigualdades entre bairros, esvaziando o poder de reivindicação política daqueles menos privilegiados e/ou periféricos caso houvesse uma concentração mais bem equilibrada de camadas superiores ao longo do território carioca como um todo.

Em tempo: Rio de Janeiro: Transformações na Ordem Urbana (Observatório das Metrópoles/Letra Capital) será lançado no próximo 27 de outubro de 2015, a partir das 18h, no Centro Cultural da Justiça Federal  (Avenida Rio Branco 241, Cinelândia).

3 de out. de 2015

Tijuca anda de metrô, aprova e aplaude o Presidente: impressões do dia 27 de maio de 1982

Estação Saens Peña do metrô, em 1982: inauguração com euforia, festa e aplausos ao Presidente militar.

A euforia e a comoção tomaram conta da Tijuca no remoto dia 27 de maio de 1982, quando o metrô finalmente era inaugurado no bairro após sete anos de obras caóticas. Na época, o Jornal do Brasil fez uma cobertura completíssima contando em detalhes sobre a grande festa que se evidenciou no bairro naquela ocasião. O trecho Estácio-Tijuca, conformado pelas estações Afonso Pena, São Francisco Xavier e Saens Peña, foi entregue durante a gestão do Governador Chagas Freitas e inaugurado pelo então Presidente João Batista Figueiredo, que veio direto de Brasília para a festa de abertura.

Na Praça Saenz Peña, foi instalado um palanque onde o Presidente, o último do regime militar, discursou emocionado sobre seus tempos de juventude na Tijuca. Embora criado em São Cristóvão, Figueiredo anunciou a todos ter sido aluno do Colégio Militar e frequentador do Cine América, tendo, inclusive, contraído matrimônio com uma tijucana, dona Dulce, falecida em 2011. O Jornal do Brasil publicou o discurso na íntegra, como vocês poderão ler mais abaixo. Na edição do O Globo do mesmo dia, conta-se que após a solenidade, o Presidente Figueiredo aproveitou a estada na Tijuca para visitar um antigo amigo de seu pai em sua residência na Rua Martins Pena.

Um dos pontos altos desta extensa reportagem se refere às impressões dos tijucanos a respeito da chegada do metrô. Reflexo, talvez, do conservadorismo tão peculiar impresso à figura dos moradores da Tijuca, os repórteres relatam que muitos preferiram tomar o ônibus naquela quinta-feira de outono alegando “insegurança diante do novo; falta de hábito; e receio de que o metrô não funcionasse tão bem quanto se falava”. Já aqueles que experimentaram andar de metrô logo no seu primeiro dia de funcionamento na Tijuca, foram retratados pelo JB como pessoas nada cosmopolitas – vide o caso de uma mulher que, ao ouvir o apito que antecedia o fechamento das portas, soltou um berro, tropeçando ao entrar no trem e causando rebuliço.

O entusiasmo das “donas de casa” da Tijuca se misturou ao dos estudantes e de outros espectadores do evento, que entoaram gritos de “Mengo, Mengo” e também do America Football Club. A festa contou também com balões, gente trepada no telhado e nas marquises, a presença de toda a classe política da época e do Cardeal Eugênio Sales, que benzeu a estátua de São Francisco Xavier na estação homônima. Na Praça Saenz Peña, cartazes agradeciam pelo término das obras, enquanto os moradores do Andaraí, “sempre esquecido” (segundo a faixa produzida por eles), reivindicava a integração do bairro com o metrô. Enquanto isso, o Governador Chagas Freitas informava que após a conclusão do trecho Inhaúma-Pavuna, da Linha 2, o Estado começaria a pensar "concretamente" sobre a conexão da Tijuca com o Leblon através do anel metroviário.

No meio de toda essa confraternização, o Jornal do Brasil traçava o perfil de Chico Alencar, o jovem presidente da extinta Associação de Moradores e Amigos da Praça Saenz Peña e Arredores (Amoapra), destacando-o como líder promissor e muito querido na Tijuca. Chico, hoje deputado federal pelo PSOL, afirmava residir na Rua Henrique Fleiuss, e no momento de inauguração do metrô já havia lançado o livro “A História da Sociedade Brasileira” (Editora Ao Livro Técnico). Em depoimento aos repórteres do JB, na contramão do puxa-saquismo dos moradores diante das autoridades políticas presentes na Saenz Peña, Chico alegou que os operários do metrô estavam segregados do público e que deveriam ser mencionados como forma de agradecimento a eles pelo trabalho prestado.

Na estação de Botafogo, antigo terminal da Linha 1, o letreiro indicava a Praça Saenz Peña como destino.

Jornal do Brasil, pp. 4-5, 28/05/1982.
Tijuca anda de metrô e aprova
Por Bruno Thys, Gloria O. Castro, Luiz Fernando Gomes, Paula Motta, Samuel Wainer Filho e Sandra Chaves
- Você viu só? – queixou-se uma senhora bem vestida ao saltar na estação Saens-Peña ontem às 18h05m, voltando do Centro. “Tive de empurrar aquele homem que estava parado na porta, segurando em cima, como se estivesse no trem da Central”, dizia ela para uma amiga. Na hora do rush de volta da cidade, o metro não chegou à Tijuca superlotado. Teve movimento regular para o primeiro dia de operações, que começou às 14h30min.

- Muita gente não deve ter usado o metro com medo de que estivesse supercheio – disse Sueli Farias, tijucana “desde antes de o metro esburacar a Praça Saens-Peña”. Ela e sua colega de trabalho, Lola Henriques, tomaram o metrô na estação Presidente Vargas – trabalham no Departamento Nacional de Estradas de Rodagem, na Presidente Vargas – e voltaram para casa depois do expediente, economizando Cr$ 15. A passagem de ônibus é Cr$ 40, e a volta de metrô custou Cr$ 25.

A economia, porém, Lola acredita que vá diminuir com um possível aumento que ela teme que seja anunciado em breve: “As passagens devem aumentar sim, porque com essas novas estações funcionando, eles vão precisar de mais dinheiro”.

Manuel Eduardo da Silva, que trabalha na Rua México, nem pensou duas vezes para tomar o metrô na Cinelândia na volta à casa. “É bem mais rápido”, disse, “quando decidi voltar de metrô não levei em conta a economia que faria, e sim a comodidade do transporte mais eficiente”.

A comodidade, o conforto, a novidade de um meio de transporte que oferece velocidade, ar condicionado, pontualidade e que já cobre uma extensão que vai da Zona Sul (Botafogo) à Zona Norte (Tijuca) levaram muitas pessoas a utilizar o metrô.

Uma viagem de metrô da estação Botafogo à Saens-Peña demora, em média, 23 minutos. Quando não há paradas mais demoradas, a viagem pode durar 21 minutos, como a feita ontem, saindo às 17h45m de Botafogo e desembarcando na Saens-Peña às 18h06m.

O maior fluxo de passageiros continua sendo da cidade em direção à Estação da Central do Brasil, quando o trem quase se esvazia, permitindo às pessoas que seguem, encontrar lugares vagos nas poucas cadeiras.
Ônibus continua cheio porque o novo assusta

Três motivos principais levam as pessoas a enfrentar um ônibus lotado, tráfego e uma viagem de quase 1 hora, quando poderiam se utilizar do metrô: insegurança diante do novo; falta de hábito; e receio de que não funcione tão bem quanto se fala.

Foram estas as razões principais dos viajantes no ônibus da linha 409 (Jardim Botânico-Praça Saenz Peña) que saiu às 18h do ponto próximo à estação do metrô de Botafogo e chegou ao seu ponto final na Praça Gabriel Soares, um pouco depois da estação da Saenz Peña, às 18h50min, com o número de passageiros habitual.

Justificativas

Muito sorridente, enormes brincos de ouro e unhas pintadas de vermelho. Maria Aparecida Gomes, de 37 anos, trabalha como manicure particular na Zona Sul e mora na Conde de Bonfim. Achando muita graça em suas próprias palavras, explica as razões de não ter usado o metrô:

- O Presidente inaugurou hoje né? Eu não peguei o trem porque não estou acostumada e não quero fazer feio. Um dia desses, quando eu não estiver muito apressada, vou dar um pulinho na estação só para ver como funciona. Com coisa nova eu não nego a minha raça. Faço como os matutos do interior. Primeiro dou uma sapeada e depois então eu uso como se andasse sempre.

A maioria dos passageiros não se deu conta de que a inauguração das estações da Afonso Pena, São Francisco Xavier e Saenz Peña, havia sido ontem. A cobradora do ônibus, Eunice da Conceição Pinto, disse que o movimento se mantinha igual aos dias anteriores.
Alguns, como o auxiliar de filmes e da TV Globo, Antônio Luís Santos, não usam o metrô “por causa da baldeação”. Ele justifica sua opção pelo ônibus alegando que “é o mesmo preço do metrô e assim eu só pego duas conduções. Se eu usasse o trem teria de pegar três conduções”.

Falando com a autoridade “de quem conhece seu ofício”, a cobradora Eunice sentencia: “Depois que o povo se acostumar com o metrô eu vou ter menos trabalho”.

“Um benefício estupendo”

Dona Gioconda Prado Seixas, moradora da Praça da Bandeira, “em cima do Bemge”, assistiu à solenidade de inauguração do metrô na Tijuca; foi em casa almoçou; tomou banho; trocou de roupas e voltou a tempo de pegar o primeiro trem que saiu da estação Saenz Peña. D. Vera Adelaide, que afirmou ter gostado muito “da autobiografia do Presidente”, também fez a mesma coisa. José Gomes Soares, advogado, que mora na Rua Almirante Cochrane, ao contrário das duas senhoras que usaram o metrô para passear, tomou o primeiro trem para a cidade porque trabalha no Centro. A ida do metrô até a Tijuca foi considerada, por todos, “um benefício estupendo”, como disse José Gomes Soares.

O funcionamento comercial das estações Saenz Peña, São Francisco Xavier e Afonso Pena começou às 14h30min. Para impedir o acesso das pessoas antes do horário, foram colocadas cordas de nylon grossas. Funcionários do setor de Operação vigiavam para que ninguém ultrapassasse a barreira. Na hora da liberação, o aviso dos funcionários para que o povo tivesse calma, não corresse. Tudo correu sem problemas.

O primeiro susto

O grupo de garotos do Colégio Municipal Euclides de Figueiredo (em homenagem ao pai do Presidente João Figueiredo) formado por Roberto 11 anos, Rodrigo, 11, Carlos, 13, Marcelo Alves, 12, Marcelo Henriques, 14, Marcelo Siqueira, 11, e Marcelo Queirós, 11, teve um pouco de dificuldade para passar no torniquete (queriam passar todos ao mesmo tempo e o torniquete só gira para uma pessoa de cada vez). Estavam excitados com a primeira viagem que fariam sozinhos no metrô: “Estamos achando um barato”, afirmou Marcelo Siqueira.

O trem partiu. Quando parou na estação São Francisco Xavier, ouviu-se um grito apavorado de mulher. Muita gente correu para fora do trem. Funcionários surgiram. O trem ficou parado alguns minutos. Mas a mulher apenas se assustara com o apito que antecede o fechamento das portas e tropeçou ao entrar no trem, caindo já dentro do vagão. O trem seguiu viagem.

O primeiro dia de funcionamento do metrô na Tijuca teve até palhaço no trem. Se Sacode, que faz promoção de lojas comerciais e alegra festas infantis, aproveitou a primeira viagem para distribuir os folhetos da loja de roupas para bebês que está divulgando atualmente. “Fazer rir é coisa muito séria”, disse, “ser palhaço é muito triste”, completou.
Ligação com o Leblon será o próximo projeto

Até setembro, as linhas do pré-Metrô deverão chegar a Inhaúma e depois à Pavuna. A informação é do Governador Chagas Freitas, que anunciou:

- Aí, poderemos pensar concretamente na ligação Tijuca-Leblon, através da Rua Uruguai, passando pelo maciço da Tijuca.

O presidente do Metrô, Carlos Teóphilo, muito festejado pela mudança de filosofia de arquitetura das estações do Metrô – optou por acabamento simplificado, ao invés do imponente mármore das primeiras estações – informou que o último acesso da Rua General Roca será entregue no próximo mês.

Teóphilo afirmou que para a melhoria de conforto, no Metrô, faltam apenas alguns trens, que deverão começar a ser entregue em setembro. Isso evitará os constantes problemas de superlotação no transporte.

Tijuca recebe metrô com balões e gente nos telhados

Havia gente nas janelas, sobre os telhados e nas marquisas. Alguns com binóculos. Balões coloridos de gás subiram ao céu, libertos das mãos de colegiais que cercavam o palanque com bandeirolas verdes-amarelas. Uma banda tocou Pra Frente Brasil e o Presidente Figueiredo, emocionado, falou de improviso – fora do programa. Estava oficialmente inaugurado o trecho Estácio-Tijuca da linha 1 do metrô.

A festa contou com a presença de políticos do PDS e do PMDB, mas não foi reivindicada por nenhum Partido. “A festa é do povo”, repetiam os deputados, opinião compartilhada pelo Governador Chagas Freitas. Foram sete anos de espera e de muitos transtornos, que modificaram a vida dos moradores. Fato lembrado, com pedidos de desculpas, em todos os discursos. Terminada a solenidade, a nova Praça Saenz Peña voltou a ser dos velhos, crianças, babás, pipoqueiros. Como antigamente.

Expectativa

A Praça Afonso Pena – primeira etapa do programa oficial – desde cedo foi tomada por centenas de populares que disputavam, aos empurrões, o melhor lugar para ver e cumprimentar o Presidente. Um dos donos da festa e anfitrião, o presidente do metrô, Carlos Teóphilo, foi o primeiro a chegar. Na calçada, recebia os convidados e apresentava a praça reurbanizada com árvores e bancos de concreto.

O horário marcado – 9h30min – foi respeitado pela maioria, mas muitos preferiram chegar mais cedo. Foi o caso do Cardeal Eugenio Sales, do Governador Chagas Freitas (acompanhado de vários secretários), do ex-ministro Eliseu Resende e de seu sucessor no Ministério dos Transportes, Cloraldino Severo, do presidente da Caixa Econômica Federal, Gil Macieira, além das autoridades militares da região.

Enquanto aguardavam o Presidente Figueiredo, permaneceram conversando em pequenos grupos, principalmente sobre política partidária. A indefinição da candidatura do PDS ao Governo Estadual foi tema muito abordado. Uma das rodas mais animadas reunia o Governador Chagas Freitas, o presidente da FAMERJ, Jô Resende, e representantes da Associação de Moradores da Tijuca.

O clima foi quebrado pelo nervosismo e ansiedade dos seguranças da Presidência da República, que momentos antes da chegada de Figueiredo afastavam aos empurrões e gritos quem estivesse no caminho a ser percorrido pela comitiva.

O Presidente, ao contrário – sorridente, apesar de uma visível irritação nos olhos –, chegou cumprimentando a todos, e não se furtou a autografar qualquer papel que lhe fosse oferecido. Acompanhado dos Ministros Leitão de Abreu e Danilo Venturini, Figueiredo foi conduzido para o interior da estação, onde ouviu explicações técnicas de Carlos Teóphilo e descerrou uma placa comemorativa.

Uma composição com seis carros – prefixo 100 – levou todos para a estação São Francisco Xavier, onde chegou às 10h30min – um minuto depois do embarque. Em rápida cerimônia (menos de 5 minutos). D. Eugênio Sales benzeu a imagem de São Francisco que ficará exposta na plataforma da estação, onde foi descerrada outra placa. A sirene apitou, novo embarque. Dois minutos depois, a Praça Saenz Peña.

Festa

Houve a determinação, por parte da segurança, de que todos os convidados e a imprensa saíssem da composição antes da comitiva presidencial. Figueiredo permaneceu no trem, conversando animadamente com Adhir Veloso (Secretário Estadual de Transportes), o Governador Chagas Freitas e o Cardeal Eugênio Sales. Depois, saiu pela plataforma direita, apoiando-se no corrimão, ainda com cheiro de tinta fresca.

No palanque armado à saída da estação, um locutor, pomposamente, narrava cada passo do presidente. Houve ligeiro tumulto quando Figueiredo se aproximou dos populares, que queriam abraça-lo e tocar sua mão. Fazia calor, mas o Presidente trajava terno cinza com colete. Colegiais acenavam suas bandeirolas, enquanto moradores aplaudiam das janelas. Uma revoada de balões de gás marcou o início da solenidade.

O primeiro a discursar foi o Ministro Cloraldino Severo, que com sua voz fina e nervosa não conseguiu atrair a atenção dos presentes: enquanto falava, Figueiredo e Chagas conversavam e atendiam aos que se aproximavam. Foi um discurso longo, técnico e abrangendo outras realizações de sua área.

Depois, foi a vez do Governador do Estado. Chagas Freitas recebeu um princípio de vaia, no início do discurso formal, previamente redigido. Só quando resolveu partir para um improviso, agradecendo aos operários e técnicos do Metrô, e desculpando-se pelos transtornos causados pela obra, conseguiu reverter o clima do público, que, neste instante, passou a aplaudir intensamente.

O locutor anunciou o fim da solenidade, quando populares pediram uma palavra do Presidente que já se preparava para deixar o palanque. Foi um discurso de improviso, bem-humorado e com muita emoção. Figueiredo lembrou dos tempos em que viveu na Tijuca, conheceu Dona Dulce, e das sessões vespertinas do cinema América, quando “vinha buscar uma ou outra namorada furtiva que porventura me quisesse”.

Foi muito aplaudido e só recebeu vaias quando reafirmou sua condição de tricolor – mesmo contra a vontade do sogro (americano) e da família predominantemente americana. Não chegou a falar no Flamengo, apesar dos gritos “Mengo, Mengo”, vindos do povo. Eram 11h quando Figueiredo saiu em direção à Gávea Pequena.

Figueiredo recorda infância na Tijuca

“Caros tijucanos. Voltar ou estar no Rio de Janeiro, minha terra natal, terra natal de meu pai e de quatro de meus irmãos. Terra onde iniciei minha meninice no bairro de São Cristóvão. E onde a Tijuca me acolheu aos 12 anos, no Colégio Militar, e me protegeu, até 1963, quando o meu pai morreu e deixou de vir à Praça Saens Peña (...). Cada vez que venho ao Rio recordo as passagens da minha meninice, da minha juventude e de meus dois primeiros filhos. Agradeço a Deus, que veio me fazer também carioca.

Ao voltar à Tijuca, são tantas as recordações, sempre boas, da torcida que fazia contra o América, time da minha família. O América que me deu a minha mulher. Que sempre perdia para o Fluminense, que acabou vencendo o meu coração. Recordo também dos passeios pelas praças Afonso Pena e Saens Peña, das batalhas de confete nas ruas do bairro, das peladas de futebol contra o time do Salgueiro. E como era difícil ganhar deles. E das festas juninas, em cada casa, para festejar meu santo padroeiro, São João.

Confesso que ao desembarcar na Praça Afonso Pena e vir até a Saens Peña, passando em São Francisco Xavier (onde o trem maria-fumaça me deixava aos sábados, vindo de Realengo, para poder ver meus pais, meus irmãos e minha namorada), senti a emoção do menino de 18 anos. Senti o calor da torcida do América, reclamando da minha condição de tricolor, e a voz do meu sogro pedindo para que, se eu casasse com a filha dele, eu passasse para o América. E, ao mesmo tempo, a voz do meu pai, para ser Vasco.

São tantas as recordações que tive e tal foi o carinho com que o povo me recebeu, que insisto em não pensar nos dias de amargura que tive ao acompanhar os trabalhos do metrô ao longo de todos estes anos, que tantos sofrimentos trouxeram à gente do bairro. Anos morosos, porque não dispunha o Governo de recursos que possibilitassem um prazo mais curto para esta obra interminável.

A minha palavra, portanto, hoje, para todos vocês, são dois muito obrigado: o primeiro, pela compreensão por estes anos de sofrimento e de rebuliços que o metrô foi obrigado a causar a vocês. O segundo obrigado, pela recepção carinhosa que me deram, fazendo-me voltar novamente aos meus tempos de aluno do Colégio Militar, em eu vinha buscar nas sessões vespertinas do Cine América uma ou outra namorada furtiva que porventura me quisesse. Muito obrigado”.


Praça virou festa e comércio deu brinde

Um brinde para cada cliente em qualquer compra. Só hoje, dia 27. Inauguração do metrô. O cartaz, à porta da Drogaria Venâncio, garantia um vidro de modelador de cabelos aos fregueses e retratava o espírito de festa que invadiu a Praça Saenz Peña já nas primeiras horas da manhã. O metrô contribuiu, espalhando bandeiras brancas, bolas coloridas e um imenso balão que anunciava a chegada do transporte subterrâneo e as transformações sofridas pela Saenz Peña.

Foi um dia fora do normal. Até pouco antes da chegada do Presidente, garis e operários davam os últimos retoques no calçamento de pedras portuguesas. Para entregar a estação na hora marcada, os trabalhos viraram a madrugada, mas houve uma recompensa. Segundo o operário Francisco das Chagas, servente de 24 anos, “é bom a gente ver uma coisa feita pela gente, pronta, e inaugurada pelo Presidente”.

Faixas, havia muitas. “Bem-vindo Presidente Figueiredo”, “Os Tijucanos agradecem ao Governador Chagas Freitas” e “Andaraí sempre esquecido reivindicou integração” – um protesto, quase isolado, pela não inclusão do bairro nas linhas de integração. Apesar do rígido esquema de segurança, muita gente conseguiu furar o bloqueio imposto pelos guardas e se aproximar do palanque.

Muitos seguravam bandeirolas também nas janelas dos prédios onde boa parte dos tijucanos assistiu a cerimônia de inauguração do metrô. Nas ruas, os guardas de trânsito, condescendentes, permitiam tráfego na contramão e até mesmo estacionamento em áreas não permitidas.

Em um canto próximo ao palanque, um grupo de alunos e professores da Associação dos Pais e Amigos de Excepcionais (APAE) comparecia para exigir do Presidente Figueiredo o cumprimento da promessa feita na inauguração da Caixa Econômica Federal para ajudar nas despesas de Cr$ 10 milhões (gasto mensal da entidade). Portavam cartazes em que diziam que Excepcional também é brasileiro e cobravam: O Metrô veio de Botafogo para a Tijuca: e a nossa verba?

Durante a solenidade, além da carta com o pedido da APAE, Figueiredo recebeu outros documentos das associações de moradores e da menina Manoela Pinho de Azevedo Souza, que pediu pela proteção da natureza. Manoela, 12 anos, demonstrou bastante organização: levou várias cópias xerox para distribuir à imprensa. Já Maria da Glória Mendes, 58anos, entregou uma carta que preferiu não divulgar. Chorando muito, disse que era assunto particular. “Essa é a quinta vez que faço isso. E ainda não fui atendida”.

“Chico” usa terno escuro

Um dos personagens mais festejados, ontem, foi o presidente da Amoapra (Associação de Moradores e Amigos da Praça Saenz Peña), Francisco Alencar. Por onde passava, era cumprimentado e abraçado pelos moradores do bairro, que agradeciam a luta da associação em favor da transformação dos terrenos remanescentes do Metrô em áreas de lazer. “Fomos a população que mais sofreu com as obras, durante sete anos” – respondia Chico Alencar, como é conhecido.

Foi a primeira vez em que a Federação das Associações de Moradores recebeu convite para uma solenidade oficial de inauguração. Segundo Jô Resende, “é um reconhecimento ao trabalho que desenvolvemos e que hoje representa uma grande parcela de esforço da população no sentido de conquistar soluções para as nossas próprias necessidades”. Apenas a Amoapra conta com cerca de 100 mil pessoas na sua área de atuação.

Francisco de Alencar – vestido com um terno escuro, pouco comum às lideranças de bairro, “mas imposto pelas necessidades” – lembrou que um abaixo-assinado foi entregue há algum tempo ao Governo do Estado, no sentido de uma rápida conclusão das obras do metrô, com a devolução dos terrenos à comunidade.

- Foi uma vitória do povo, sobretudo pelo direito que adquirimos de acompanhar o destino de nossas áreas de lazer. Em São Paulo, por exemplo, isto não foi feito e os terrenos acabaram vendidos.

Chico lembrou ainda que a reurbanização da praça Saens Peña foi uma vitória dos moradores que a reconquistaram como queriam, modificando o projeto original, “uma forma muito árida, semelhante ao calçadão da Cinelândia”. Por sugestão da Amoapra, foram, ao contrário, plantadas mais árvores, colocados bancos com encosto e o lago foi reconstruído.

- Entretanto, a comunidade vai continuar fiscalizando para que tudo funcione bem – concluiu.

Em uma carta aberta ao Presidente Figueiredo, a FAMERJ e 12 associações de moradores afirmaram que “essa inauguração compensa em parte os seis anos de transtornos e a descaracterização urbana dos bairros, mas não elimina os graves problemas da condução coletiva do Grande Rio, já que a linha 1 serve apenas a uma população que não tem tantas dificuldades quanto a de outras regiões mais carentes”.

E acrescenta ainda a carta que “a maior transformação vivida pela Tijuca não está no progresso material que o metrô traz, nem na piora da qualidade de vida, mas num fato novo, positivo e que vai aos poucos, como semente, fecundando toda a sociedade: as associações de bairro que necessitam ser ouvidas para o progresso e desenvolvimento do país”, concluiu.

Embora aparente menos de 25 anos, Francisco de Alencar Filho – O Chico, presidente da Associação de Moradores da Praça Saenz Peña e Arredores (Amoapra) – tem 32 anos de vida e de Tijuca, sempre na mesma rua, Henrique Fleiuss. Profissionalmente é tão bem sucedido quanto na presidência de sua associação: é professor da rede pública e particular (colégios São Vicente de Paulo, Santo Inácio e Eliezer Stemberg) e autor do livro A História da Sociedade Brasileira, com Marcus Vinícius e Lucia Carpi, que desde o lançamento em 79 já vendeu mais de 80 mil exemplares. Casado com Ângela, professora de Português, é pai de Emanuel, de seis meses.

Ontem foi um dia muito especial na vida do tijucano e historiador Chico de Alencar, que “acordou” para a participação comunitária em 1966, com a juventude estudantil católica. “Enquanto o palanque estava lotadíssimo de autoridades, no outro extremo da praça os operários assistiam a tudo em cima dos respiradouros. Eles também deveriam ser mencionados”. Neste momento, o historiador é mais forte e ele recorda a abertura de seu livro: “Quem construiu a Tebas das sete portas? Nos livros constam os nomes dos reis...” (Bertold Brecht).

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