Na matéria em questão, a Tijuca é sublinhada pelo repórter como um bairro "além-túnel", mas que mesmo assim é digno de importância. Entre os tantos motivos de "dignidade", fala sobre as bandas de rock do bairro e as músicas que, compostas e saídas daqui, se tornaram conhecidas Brasil afora (assim como seus autores). Aborda-se também a vocação musical do shopping center (hoje considerado uma galeria) localizado no número 229 da Rua Conde de Bonfim, onde funcionou a danceteria Mamute e hoje abriga uma filial da Igreja Maranata. Era lá onde funcionavam estúdios de gravação, lojas de instrumentos musicais, além da locadora Video Center, a "melhor" em aluguéis de vídeos, games e CDs, com as maiores novidades daquela época.
Embora esta reportagem provavelmente tenha sido escrita por um estagiário ou jornalista iniciante, dado o caráter juvenil do fanzine, há uma menção histórica importante ali: a que fala sobre os adesivos I'm Tijuca distribuídos pelo Mc Donald's no momento de sua inauguração na Barão de Mesquita. O adesivo é, sem sobra de dúvidas, uma peça rara, difícil de achar ou até mesmo comprar. Por outro lado, encontrei o dito cujo há alguns meses colado resistentemente ao vidro da janela de um apartamento na pequenina Rua Piracicaba, entre Visconde de Figueiredo e Conselheiro Zenha. Um verdadeiro exemplar do orgulho tijucano incorporado ao slogan imperialista do Mc Donald's. Raro. Veja esta edição do JB na íntegra aqui: https://news.google.com/newspapers?nid=0qX8s2k1IRwC&dat=19930801&printsec=frontpage&hl=pt-BR.
B/Zine, Jornal do Brasil, p. 10, 01/08/1993.
Tijuca: o túnel, a fronteira final
Por Paulo Reis
Tem um túnel, o Rebouças. Ele é o elo perdido. De um lado, está a Lagoa, Ipanema, a Chaika, os shoppings e essas coisas que todo mundo conhece. Do outro lado, meu filho, está a Tijuca. Sabes lá o que é isso? Pois vamos explicar. Naquela imensa São Paulo, que começa na saída do Rebouças e sobe pelo Alto da Boa Vista, se esconde uma rapaziada pra lá de boa. Mas eu já sei, você não me engana. Já torceu o nariz e pensou: o máximo que pode sair da Tijuca é o Álvaro Valle. Caro amigo, você está desinformado. Não dá para esquecer que o peso-pesado do soul, Tim Maia, veio daquelas bandas. Que o Benjor inventou o sambalanço com guitarra lá. E que a Festa de Arromba do tremendão Erasmo e do Rei Roberto também foi por ali. Nos anos 80, a Tijuca botou no mundo um peixe pequeno do rock Brasil: Picassos Falsos. E Ed Motta ainda vive naquelas plagas. Acredita agora na importância da Tijuca, papudo?
Ser tijucano é ser avant garde. É assim com Marcia Gonçalves, 28 anos, editora do fanzine BACKSTAGE. Respeitado no meio editorial, o zine tem all access em todos os grandes shows internacionais. Marcia acha que ser tijucano é muito bom. "Na Tijuca tem a melhor locadora de CDs e vídeos do Rio, a Video Center. Lá tem todas as novidades das lojas de fora. Só não existem lugares para shows de rock", fala Marcia. Ela sempre viveu na Tijuca e acha "muito muito legal não ser da zona sul".
Se um skatista antes tinha que pegar o 415 para ir à pista do Rio Sul, hoje não precisa mais. O que não falta são picos para fazer manobras. Rodrigo Tavares, 14 anos, acha a Tijuca "muito irada, porque tem muita gente legal". Ele frequenta o point da Praça Xavier de Brito ou embaixo do viaduto do Maracanã. O grito de guerra é: "Maior cabeção. Tijucano até a morte!", avisa.
Lá tem até estúdio. Os ex-Picassos Gustavo Corsi e Abilio Azambuja se juntaram ao Ivo Ricardo e fundaram o estúdio Pad e a loja Musix. Sabe onde? No shopping da antiga danceteria Mamute. Veja detalhes no texto abaixo.
Estúdio, hambúrgueres, garotas: e o que você quer mais, amigão?
Mas não é só de banda de garagem que vive o estúdio Pad. Tony Platão, Tânia Alves, Celso Blues Boy e a turma da Rio Sound Machine também ensaiam por lá. "A gente montou o estúdio porque tem muitas bandas aqui. E criamos a loja de instrumentos para facilidade de quem ensaia. Quando precisar de uma corda, é só atravessar o corredor", diz Gustavo. No futuro, os três músicos vão criar uma escola. "Três em um com garantia de qualidade", avisa Ivo.
Cruzando pelo bairro, você dá de cara com o melhor sebo de quadrinhos da cidade, o Gibi Center, e também com a melhor loja de aluguel de CDs, a Video Center. Essa loja, que vive lotada, vende vídeos, games e CDs. Ana Elizabeth, uma das sócias, conta: "A loja atende em média 400 adolescentes por dia. São quase dez mil inscritos". Na loja de discos Sub Som, não é diferente. A gerente Inês diz que "o que mais sai são pesados e progressivos".
As menininhas tijucanas passeiam pelo calçadão da Saenz Peña num doce balanço a caminho da C&A. Rafaela Stern, 10 anos, e Mariana Lang, 11, acham que "a Tijuca tem tudo e que ninguém precisa sair do bairro para se divertir. A não ser para ir à praia da Barra", dizem.
Mas, então, o que falta na Tijuca? Uma "lanchonete que não seja poeira". Faltava, pois o Mc Donald's abriu há pouco mais de um mês e, para comemorar a data de inauguração, distribuiu um adesivo de carros com os dizeres: I'm Tijuca. Era só o que faltava. O exigente João Emídio, 15 anos, ainda quer mais. "O único defeito do Mc Donald's é não ter milk shake de ovomaltine", lembra, enquanto deixa escorrer a baba do sundae. Tijucano é assim mesmo. Nunca está satisfeito.