14 de out. de 2016

A Confeitaria Tijuca

Revista da Semana, 1944.
Os Srs. Batista Godinho & Cia, apresentando aos cariocas e à elite tijucana em particular, as luxuosas e moderníssimas instalações da nova CONFEITARIA TIJUCA - Sorveteria e Casa de Chá - vêm corresponder a uma antiga aspiração dos moradores da Tijuca. Em suntuoso edifício, especialmente construído para esse fim, a Confeitaria Tijuca, dotada de ar condicionado e mobiliário confortabilíssimo, será o ponto predileto para as tradicionais reuniões da elegância da fina sociedade tijucana. 

Para além dos cinemas, os anos dourados da Praça Saenz Peña foram marcados por uma série de estabelecimentos comercias simbólicos que ainda povoam o imaginário que se faz a respeito do bairro. Um dos locais mais lembrados é a Confeitaria Tijuca, da qual, particularmente, se tem pouca informação. Inaugurada em 1943 no número 352 da Rua Conde de Bonfim – na exata localização da atual filial das Lojas Americanas –, a Confeitaria Tijuca foi um marco importante na história da Tijuca como bairro de “gente bem”.


Equiparada à sofisticada Confeitaria Colombo, da Rua Gonçalves Dias – no Centro – por oferecer “serviço completo para banquetes” ao som de uma “orquestra permanente”, a Confeitaria Tijuca foi batizada como “o novo arranha-céu da Praça Saenz Peña”, em anúncio publicado no Jornal O Globo de 21 de janeiro daquele ano. Neste mesmo anúncio, é notório o prestígio do tributo oferecido às firmas que participaram na construção do imóvel: “triunfam a inteligência, a operosidade e a técnica”, apontam os anunciantes sobre a qualidade oferecida pelos senhores L. Mello & Irmão, responsáveis pela instalação da maquinaria de refrigeração elétrica, fazendo da Confeitaria Tijuca um dos locais pioneiros no Rio de Janeiro, fora do Centro, em receber tal tecnologia.

Jornal O Globo, 21 de jan. 1943: veja o anúncio em alta resolução.


Empreitada do sr. Batista Godinho & Cia, dos quais não se tem maiores informações do que esta, a Confeitaria Tijuca tinha como propósito substancializar o grand monde carioca num espaço singular que refletisse o bom gosto dos moradores do “aristocrático bairro” da Tijuca na forma de um “ambiente de requintado conforto”. Decorado inteiramente em estilo marajoara, desde a iluminação dos letreiros em neon às “cadeiras confortáveis” de metal, passando pelas faces polidas e brilhantes dos espelhos (que “reúnem todo o encanto das coisas belas e grandiosas”), a Confeitaria Tijuca se outorgava o título de “A maior organisação da América do Sul” (sic) em serviços de chá, sorvetes, almoços, lanches e jantares.

Em outro anúncio publicado na Revista da Semana, de 1944, e reproduzido no livro “História de Bairros – Tijuca” (João Fortes Engenharia/Index Editora, 1984), vê-se a ilustração do que seriam os interiores da Confeitaria Tijuca: um amplíssimo salão de chá repleto de casais jovens e elegantes servidos por garçons em fraque com gravata borboleta. Do alto do salão, um camarote encena o maestro coordenando sua orquestra. Não há registros de quando a Confeitaria Tijuca encerrou suas atividades, mas a ostentação de seus anúncios e os elogios dispensados aos moradores do bairro não deixam dúvidas sobre a origem do tal orgulho tijucano que permanece vivo até os dias de hoje pelas ruas de todo o bairro. Marcas de um passado “dourado” que se perpetuam nos gostos e nos discursos de muitos conterrâneos.

21 de set. de 2016

A história da Praça Saenz Peña: a formação do primeiro subcentro de elite carioca

Vista aérea da Praça Saenz Peña, em 1940: primeiro subcentro carioca.
Fonte: "O Rio visto pelo alto", de Patrícia Pamplona - encontrado em Alberto de Sampaio.

A declaração é objetiva, clara e com embasamento científico: a Praça Saenz Peña é o primeiro subcentro a surgir no Rio de Janeiro, e o segundo a emergir no Brasil (o primeiro foi o do Brás, em São Paulo). Mais do que isso, a Praça Saenz Peña é o único caso no país em que um subcentro voltado para as camadas de alta renda surgiu antes que os subcentros populares. Tais afirmações são do arquiteto e urbanista Flávio Villaça, professor da Universidade de São Paulo (USP), autor do clássico livro Espaço intra-urbano no Brasil (Studio Nobel/FAPESP, 1998). Nesta obra, Villaça discute como se deu a produção do espaço urbano em seis metrópoles brasileiras, mostrando as “forças” capitalistas existentes por trás do mar de prédios, casas, praças, lojas, serviços, funções e usos da solo que faz parte do nosso cotidiano.

Espaço intra-urbano no Brasil (1998)
Neste livro, Villaça dedica importantes considerações à Tijuca por ser um dos bairros cuja urbanização é das mais antigas do Rio e, também, por ter sido um bairro pioneiro de “elites” na cidade. Inclusive, são as referências desse passado nobre – e, portanto, visto como digno de status – o tempero que rege muito dos discursos sobre o “orgulho tijucano”. Além disso, a memória afetiva é também um elemento crucial da representação da Tijuca no imaginário coletivo, especialmente quando falamos da Praça Saenz Peña. Muitos textos, livros e artigos se referem à praça como um lugar de cinemas e glamour nos anos ditos “dourados”, mas sem elucidar as razões sociais, políticas e econômicas que ascenderam a Saenz Peña em lugar com este perfil.

É este aspecto que pretendo dissertar nesta série de publicações sobre a formação, a evolução e a decadência simbólica da Praça Saenz Peña como subcentro de “ricos”, a começar por agora.

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Para Villaça, o subcentro é uma aglomeração diversificada e equilibrada de comércio e serviços. Ele é uma réplica em tamanho menor do centro principal – no caso do Rio de Janeiro, o nosso Centro –, “com o qual concorre em parte sem, entretanto, a ele se igualar”. O subcentro apresenta esses requisitos de comércios e serviços para apenas uma parte da cidade, enquanto o centro principal é referência para toda a metrópole. Os primeiros subcentros cariocas surgiram nos anos 1930 em bairros caracterizados, de modo predominante, pela função residencial. Com o desenvolvimento do subcentro, o cenário de bairros como o da Tijuca, de Copacabana, do Méier e de Madureira foi sendo transformado consoante a chegada de lojas comerciais, consultórios, bancos, cinemas, com o objetivo de atender à população residente/visitante no local e nas proximidades. Segundo Villaça, a partir de tais serviços, esses bairros passaram a representar um papel complementar de “centro de atividades”, tornando-se referência como polos terciários de importância local.

Neste sentido, cabe constatar que a formação dos subcentros também esteve muito associada ao desenvolvimento e à consolidação da expansão urbana da cidade em determinados pontos da Zona Sul e da Zona Norte. Isto porque, até meados do século XX, o Centro era o único local de serviços – lugar, por excelência, para onde se deslocava o grosso da população quando precisava resolver pendências ou realizar determinadas compras. A expressão carioca “ir à cidade”, como sinônimo de ir ao Centro, reflete consideravelmente essa posição do local como antiga zona de convergência, mostrando, retoricamente, a condição predominantemente residencial dos bairros fora dali.

Praça Saenz Peña, em 1960

Entretanto, Flávio Villaça pontua duas questões importantes sobre a apropriação do espaço do Centro e a respeito da produção dos subcentros. A primeira delas é que, na primeira metade do século XX, o Centro era um local majoritariamente ocupado pelas classes de alta renda, tanto para fins de trabalho como de lazer. Como justificativa a essa informação, basta recordarmos a Reforma Pereira Passos, realizada na década de 1910. Como todos sabemos, a Reforma não se tratou de uma intervenção urbanística voltada para abrigar as atividades e lazeres das classes populares no Centro. Muito pelo contrário; os pobres, em seus cortiços, foram expulsos de lá para os subúrbios, justamente porque as elites reivindicaram aquele espaço como de exclusividade delas.

Logo, o centro principal sempre foi, por vocação, um lugar construído pelas elites para as elites, abrindo brechas para a circulação da população mais desfavorecida a partir do inevitável oferecimento de postos de trabalho subalternos para as classes (des)qualificadas como tais. E, com isso, é claro que algumas ruas do Centro foram desvalorizadas, especialmente aquelas próximas à Central do Brasil e ao ponto final dos ônibus oriundos da periferia.

Mas, de um modo geral, o Centro sempre foi, por excelência, o lugar do poder e, portanto, das elites. Devido a essa razão, em muitas metrópoles brasileiras o surgimento dos subcentros veio para atender à demanda de consumo das classes populares reprimidas, pelo “mercado” - em suas diferentes facetas -, de consumir no centro principal. Neste entendimento espacial, estes subcentros viriam a ser tratados, assim, como pequenos centros situados em bairros populares, sobretudo periféricos. Por outro lado, aqui no Rio a lógica de formação dos primeiros subcentros serviu, inicialmente, para atender outro público e, consequentemente, a outros interesses.

Com base nisso, a segunda questão importante apontada pelo autor é o fato de que as classes de alta renda no Brasil (ou seja, a elite) são as maiores responsáveis pela formação das centralidades. Em outras palavras, significa dizer que a população de maior poder aquisitivo exige – e reivindica – estar próxima ao Centro, no sentido de estar próxima, na verdade, do comércio e dos serviços de que todos necessitamos para a nossa reprodução social. Tratando-se de uma metrópole rica como o Rio – então Distrito Federal –, a expansão urbana das elites atingiu raios de distância, em relação ao Centro, bem maiores do que em outras metrópoles.


Mesblinha - "O magazine da Tijuca", anos 1950.


Programação dos cinemas da Saenz Peña.
Fonte: Conrado Leiloeiros
O que é importante frisar aqui é que, concomitantemente à expansão espacial das elites, ocorreu, do mesmo modo, a expansão do tipo de comércio e de serviços típicos que só existiam no Centro para esses bairros em que elas se instalaram. Tudo isto graças à força política e ao poder econômico dessa classe em reclamar sua proximidade ao “centro”, enquanto conjunto de comércio e serviços. Um exemplo contemporâneo deste tipo de processo é o da Barra da Tijuca, que, de 1980 para cá, passou de posição de zona-quase-rural para a de importante centralidade na hierarquia socioespacial carioca.

Neste sentido é que Villaça diz ter surgido no Rio de Janeiro o primeiro subcentro das elites, lá nos anos de 1930: a Praça Saenz Peña. Desde o século XIX, a Tijuca já estava consolidada como bairro urbano e nobre. Com o crescimento espacial e econômico da cidade, nas primeiras décadas do século XX, essa sua condição de bairro nobre (e já consolidado em termos urbanos) foi crucial para que se viabilizasse, espontaneamente, a formação do que seria o primeiro subcentro carioca.

Villaça diz que os subcentros de Copacabana, Méier e Madureira se consolidaram na década seguinte, em 1940, mas voltados para atender a fins diferentes. No caso de Copacabana, por exemplo, contribuiu sobremaneira o turismo, visto que muitos serviços implantados por lá desde o início do século passado tinham os turistas como público-alvo. Já o Méier e Madureira se encaixariam na teoria dos subcentros periféricos voltados para responder à demanda de consumo das classes populares nos subúrbios em que residiam. 

Revista da Semana, 1944

Neste entendimento, Villaça afirma que “a Praça Saens Peña foi o primeiro subcentro voltado para as camadas sociais médias e acima da média jamais desenvolvido numa metrópole brasileira” (p. 278), precedente à Copacabana. Ao mesmo tempo, vale destacar novamente a grande distinção entre Tijuca e Copacabana em termos do perfil de seus respectivos subcentros. Ambos estavam voltados para a elite, é verdade, mas o da Praça Saenz Peña visava atender um público local, das cercanias da Tijuca, enquanto que o subcentro de Copacabana visava atender à demanda do turismo. Copacabana só se tornou um subcentro mais “completo”, menos especializado como turístico, pouco tempo depois dos anos 1940, quando o próprio bairro – e a Zona Sul oceânica – consolidaram seu processo de desenvolvimento urbano e, sobretudo, sua hegemonia como o novo espaço das elites no Rio.

Mas, como se deu a percepção da Praça Saenz Peña como subcentro? Villaça aponta que um subcentro só começa a aparecer quando se nota a chegada de determinados perfis de serviços inéditos ao lugar, serviços estes capazes de conglomerar público e fluxos econômicos equivalentes ao do Centro – resguardadas as devidas proporções. 

Casa Granado, na Conde de Bonfim com Almirante Cochrane: loja pioneira na
formação do subcentro tijucano.


Anúncio da Importadora Tijuca. O Globo (1959).
Na Praça Saenz Peña, o estopim de sua ascensão como primeiro subcentro da cidade – e subcentro para “ricos” – se deve à abertura da primeira filial de uma loja do Centro – então, nobre – no centro de um bairro residencial. Neste caso, estamos falando da Casa Granado, perfumaria instalada na Rua Primeiro de Março (antiga Rua Direita) desde 1870. Aqui na Tijuca, a Granado foi inaugurada em 1928 em prédio tombado situado na esquina da Rua Conde de Bonfim com Rua Almirante Cochrane. Nas palavras de Villaça, naquela época, “as perfumarias eram lojas importantes e essa filial era um indicio significativo da importância do centro da Tijuca” (p. 296).

Outros exemplos apontados por Villaça são os das filiais das seguintes lojas: Formosinho, que vendia artigos de vestuário e que contava com dois estabelecimentos no Centro; a loja Drago, que vendia móveis; o Jarro de Cristal, que vendia louças e cristais; a Confeitaria Tijuca (da qual pretendo falar em outra publicação); a Ferreira, que vendia ferragens, além de várias lojas de calçados e tecidos; e a Importadora Tijuca, uma loja que vendia automóveis situado no número 426 da Conde de Bonfim, onde hoje se localiza uma filial da rede de eletrodomésticos Ponto Frio. 

Mas, o principal mesmo eram os cinemas (que também falarei em outra oportunidade). No início de sua vocação como subcentro, a Praça Saenz Peña contou com cinco grandes cinemas: o Olinda, o Tijuquinha, o Metro, o América e o Carioca. Comparando a potência da Saenz Peña com a de Copacabana, Villaça sublinha que, em 1940, Copacabana inteira tinha apenas três cinemas. Se levarmos em conta a quantidade total de cinemas na Tijuca - isto é, incluindo as salas para além da Saenz Peña -, esse número pode alcançar patamares ainda mais elevados.

Foram essas as razões que fizeram emergir o subcentro da Praça Saenz Peña, o qual Villaça assegura como “o único caso no país em que um subcentro voltado para as camadas de alta renda surgiu antes que os subcentros populares” (p. 297). A evolução deste subcentro nas décadas consecutivas, incluindo, também, a tão chamada “decadência” da Praça Saenz Peña, será discutida nas próximas publicações.

25 de jul. de 2016

A Barra nunca esteve tão longe da Tijuca: os problemas das linhas 301, 302 e 345

Linha 302, na Rua Doutor Satamini: os muitos problemas da conexão entre a Tijuca e a Barra via ônibus.

Da Barra para a Tijuca, da Tijuca para a Barra: deslocar-se entre esses dois lugares em transporte público nunca foi tão caótico. Famosa “extensão” da Tijuca até os anos 1980, a Barra hoje vive a sua epopeia no campo da mobilidade urbana com a chegada do metrô ao Jardim Oceânico e a implantação do Bus Rapid Transit (BRT) na Avenida das Américas. Mas, parece que quanto mais próxima a Barra vai ficando da Zona Sul e do Centro, mais distante ela fica da Tijuca. E não se trata de uma mudança geográfica (pois isto seria impossível): é o sucateamento das linhas de ônibus que ligam a Tijuca à Barra o motivo de tal percepção.

Atualmente, existem três itinerários que fazem esse trajeto: 301 (Rodoviária x Barra da Tijuca, via Américas), 302 (Rodoviária x Barra da Tijuca, via Praia) e 345 (Candelária x Barra da Tijuca). Todas essas linhas circulam pelo eixo viário da Tijuca rumo à Barra, passando pelo Alto da Boa Vista. Mas, desde 2011, a queda na qualidade do serviço tem sido notória e gradativa. Os frescões foram substituídos por veículos não refrigerados e, em muitas das vezes, parecidos a carroças. Muitos usuários afirmam que o motor não é potente o bastante para subir o Alto, causando transtornos à fluidez do tráfego na Avenida Edson Passos:

— Eu pego as linhas 301 e 345 diariamente e posso afirmar que é uma vergonha o que fazem com os passageiros. Todos os dias vejo ônibus enguiçados devido às péssimas manutenções nos ônibus que já deveriam ter virado sucatas. Sobem o Alto da Boa Vista mais lentos que uma bicicleta, e descem a toda para recuperar o tempo perdido. Já estive em dois ônibus que perderam o freio, mas a sorte é que um deles perdeu logo depois da descida e bateu devagar no ônibus da frente, quebrando todo o vidro mesmo assim – relatou Julio Cesar Camarate, morador da Praça Afonso Pena.

As péssimas condições de viagem também se confirmam no depoimento da gaúcha Fernanda Teodoro. Radicada na Usina, Fernanda é jornalista e vai diariamente ao Barra Shopping, onde trabalha, sempre por volta das 8 horas da manhã. Para ela, o agravante tem sido a diminuição da frequência dessas linhas no horário de rush, cujo intervalo pode chegar a quase meia hora de espera no ponto de ônibus. Dessa maneira, os veículos partem lotados da Tijuca em viagem não muito confortável dada a sinuosidade da estrada e as más condições de higiene no interior dos carros. Além disso, Fernanda destaca a má conduta dos motoristas como aspecto ainda mais desfavorável:

— Um dia o motorista bateu em outro ônibus ao dar marcha a ré no Terminal Alvorada, quebrando umas três janelas de vidro. O que você acha que o motorista fez? Seguiu viagem com os cacos de vidro em toda parte traseira! Por que não trocou já que ainda estava na Alvorada?


Nos anos 1990, a Auto Viação Tijuca chegou a oferecer linhas de ônibus especiais entre
a Saenz Peña e o Barra Shopping. Fonte: Cia de Ônibus.

Até 2011, também era possível viajar até a Barra (e vice-versa) nestes veículos refrigerados.
As mudanças datam do período de transição regulatória do serviço de ônibus no Rio,
com a criação dos consórcios.

O tijucano Alejandro Sainz de Vicuña, por sua vez, ressalta o não cumprimento dos itinerários sem aviso institucional prévio aos passageiros. Vicuña trabalha na região da Barrinha, trajeto considerado “fora de mão” pelos motoristas já que fica em sentido contrário à alça de acesso da Avenida das Américas:

— A linha 302, agora, é a única que entra na Barrinha. Para piorar, de noite, na Barrinha vazia, muitos motoristas seguem direto para o Itanhangá, deixando quem está no ponto de ônibus da Barrinha esperando feito trouxa. De dia isso acontece também. Arrisco a dizer que ocorre em mais de 50% das vezes. Em muitas delas, estou indo para o trabalho e o motorista grita aos passageiros: “Alguém vai para a Barrinha?”. Se ninguém disser que vai, ele não entra e deixa todo mundo que está lá no ponto esperando ainda mais.

Vicuña ainda problematiza ao lembrar dos turistas que vêm à Tijuca de metrô como meio de se chegar à Floresta da Tijuca, no Alto da Boa Vista, em transporte público:

— Tomo o ônibus na Conde de Bonfim, na altura da Rua Henry Ford. A sinalização do ponto é antiga, deve ter mais de uma década, pois a numeração dos ônibus já mudou duas vezes e a mesma sinalização continua lá, confundindo quem não está acostumado a tomar ônibus ali e turistas. Sim, muitos turistas que vão visitar a Floresta da Tijuca, no Alto da Boa Vista, não conseguem sequer saber onde tomar o ônibus. E, volta e meia, os motoristas, como de costume, passam direto quando fazemos sinal – pontuou.


Linha Afonso Pena x Barra, criada em 2013, foi extinta sem maiores explicações ao público

Outro motivo aparente para a queda na qualidade do serviço se deve ao monopólio da Auto Viação Tijuca. A falta de linhas concorrentes justifica a precarização do serviço oferecido pela “Tijuquinha”, que já procurou qualificar-se recentemente. Com fins de atender a população do Alto da Boa Vista, a Secretaria Municipal de Transportes lançou em 2013 a Linha Especial Coletora de Dados (LECD6) Praça Afonso Pena x Barra. A empreitada surgiu como uma forma de se experimentar a eficiência de um novo itinerário, mais otimizado, entre a Tijuca e a Barra. Contudo, a LECD6 foi extinta no início de 2015 sem maiores explicações à comunidade.

Com a inauguração do BRT e da Linha Quatro do metrô, é provável que os tijucanos passem a ouvir campanhas institucionais orientando-nos a usar o metrô até Ipanema e, de lá, até o Jardim Oceânico. Para o tijucano Fred Rocha, morador da Afonso Pena, a solução é inviável:

— Vão dizer “ah, agora tem o metrô”. Não, infelizmente o metrô não vai atender o trajeto Tijuca-Barra. A Linha Quatro vai ser apenas para estabelecer a relação da Barra com a Zona Sul – opina ele, quem considera “surreal” o trajeto da Tijuca à Barra via metrô.

* O passeador tijucano agradece a contribuição de Gabriel Reis, Jailson Pontes, Julio Cesar Camarte, Vanessa JM, Alejandro Sainz de Vicuña, Fred Rocha, Diego Carrara Bacellar e Diogo Belart.

23 de jul. de 2016

A nova Praça Varnhagen: impressões e expectativas

A nova Praça Varnhagen: finalização das obras contra as enchentes devolve o "Baixo Tijuca" aos tijucanos.

A longa espera chegou ao fim há pouco mais de um mês. Símbolo da boemia tijucana, a Praça Varnhagen foi reinaugurada no último 12 de junho, encerrando dessa maneira o grande conjunto de obras contra as enchentes na região. Com orçamento inicial de 188 milhões de reais financiados pela Prefeitura do Rio e o Ministério das Cidades, foram construídos três grandes reservatórios subterrâneos para escoar a água das chuvas. De espaços de lazer a canteiros de obras, as praças da Bandeira, Niterói e Varnhagen viveram pelo menos três anos de sufoco em meio a retroescavadeiras, guindastes e muitos tapumes.

Com isso, a devolução da Praça Varnhagen à comunidade da Tijuca representa não apenas a finalização de todo esse conjunto de obras, mas também a retomada do “Baixo Tijuca” na vida noturna do bairro. Nos últimos anos, percebeu-se a chegada de novos bares e restaurantes ao entorno, principalmente na Rua Almirante João Cândido Brasil, indicando que o polo ainda tem grande força notívaga na Zona Norte. Com a recuperação do espaço anteriormente fechado à população, é possível que os frequentadores locais reencontrem na praça uma alternativa de socialização noturna caso a Secretaria Municipal de Ordem Pública não coíba a venda de bebidas por ambulantes ali.

O desenho da ciclovia, que liga a Barão de Mesquita à Vila: estação do Bike Rio ficou na Avenida Maracanã.

O playground: brinquedos modernos e piso especial anti-queda atrai a molecada do bairro.

Por outro lado, quem achava que a Varnhagen voltaria à sua velha forma, enganou-se. Como tem sido de praxe na gestão do prefeito Eduardo Paes, as praças reinauguradas na Tijuca são idênticas umas às outras do ponto de vista paisagístico. O polêmico piso de pedras portuguesas, por exemplo, símbolo urbanístico da região, foi substituído de vez pelas placas de cimento. O curioso nisto tudo é que embora tenha havido grande empenho de verba pública em obras para controlar as furiosas enchentes que castigavam o bairro, a concepção da praça em si, no fim de contas, parece ter ido na contramão desse plano de controle. Afinal, quanto mais acimentado for o piso, menor será a capacidade de impermeabilização do solo.

Gaiola junto ao centro de controle: Varnhagen era o antigo reduto dos passarinhos, até os anos 1990.

Além disso, a fraca arborização da nova Praça Varnhagen promete ser um problema térmico nos meses mais quentes. O crescimento das palmeiras instaladas às margens da Avenida Maracanã seguramente demorará algumas décadas para alcançar o porte das árvores frondosas. Mesmo depois de crescidas, é preciso reconhecer que as palmeiras são uma espécie arbórea com fins mais ornamentais do que socioambientais. No Rio, essas versões esquálidas e pequeninas das palmeiras não são exclusividade das novas praças da Tijuca: sua adoção se estende até mesmo à badalada Praça Mauá, na Zona Portuária, e na recém-inaugurada Praça Antero de Quental, no Leblon.

Bancos de cimento: novo mobiliário.
Contudo, é durante o dia quando a Praça Varnhagen mais se enche de vida. Antigo reduto da feira de passarinhos (hoje situada junto à estação São Francisco Xavier do metrô), pode-se dizer que atualmente a Varnhagen seja o reduto “da família”. O moderno playground tem atraído crianças de toda a vizinhança, inclusive daquelas mais pequenininhas, que passeiam sonolentas nos carrinhos. Cachorros e outros animais de estimação também são figurinhas fáceis por lá. A poucos metros da criançada - e da cachorrada em coleira - fica a academia da terceira idade. Os novos aparelhos de ginástica chamam a atenção dos idosos, que ali se dedicam ao exercício físico com entusiasmo.

A temperatura amena deste inverno também tem propiciado agradáveis banhos de sol àqueles que se põem a descansar nos bancos da Praça Varnhagen. Feitos de blocos de cimento, os bancos têm cara e forma de mobiliário urbano barato, embora sejam bonitos pela simplicidade. Outras duas atrações da praça são o reservatório subterrâneo e a pista de patinação. No primeiro, pedestres curiosos observam frequentemente a profundidade do tanque pelas frestas do piso em forma de gradil utilizado naquele trecho da praça. No segundo, o antigo espaço do chafariz atrai patinadores sobretudo iniciantes, além de alguns skatistas. O que ficou de fora, entretanto, foi o posto de retirada de bicicletas do Bike Rio, colocado no canteiro central da Avenida Maracanã em agosto de 2014.

Mas, não faz mal: reinicio de praça é sempre assim mesmo, um período de ajustes e reajustes. Os tijucanos e visitantes saberão muito bem como se apropriar desse espaço e desfrutá-lo como merece. Bem-vinda de volta, Varnhagen!

19 de jul. de 2016

Tijuca: um bairro em busca de representação


No imaginário coletivo do Rio de Janeiro, a Tijuca é reconhecidamente um bairro cheio de ambiguidades. Encravado entre o Subúrbio e a Zona Sul, não há um consenso sobre “o que é” a Tijuca em termos gerais. Devido a essa localização intermediária mal definida, muitos a chamam de “Zona Sul da Zona Norte”, enquanto outros de “subúrbio metido à besta”. Nos anos 1970, Aldir Blanc confirmava um pouco dessa ambivalência ao afirmar que o tijucano passava momentos difíceis num bairro impreciso. Considerado semi-ipanemense pelos suburbanos, e tido como meio suburbano pelos ipanemenses, concluía: “A Tijuca é exatamente isso – meio-não-sei-como”.

Instigado por esse “meio-não-sei-como”, O PASSEADOR TIJUCANO perguntou a 189 moradores e/ou ex-moradores do Rio a respeito de que forma a Tijuca poderia ser mais bem representada na opinião deles. O objetivo foi o de tentar identificar de modo um pouco mais claro que percepções a cidade faz a respeito do nosso bairro.

A repercussão foi previsível, mas não menos surpreendente. Para uma melhor apreciação dos resultados, agrupamos as 189 respostas livres em categorias temáticas como uma maneira de se associar as ideias apresentadas cujo conteúdo fosse similar. Do total dos respondentes, mais da metade (58,2%) eram da Grande Tijuca, seguido por 13,2% da Zona Sul, 9% (Zona Norte), 4,8% (Barra e adjacências), 3,2% (área central do Rio), 2,6% (Zona Oeste), 2,6% (Niterói) e, por fim, 6,3% afirmaram ser de outros lugares.

As categorias temáticas percebidas no questionário: a maioria aponta a Tijuca como um bairro prático,

Imbativelmente, a Tijuca foi representada pela maioria dos respondentes como um bairro prático, cômodo e central. Em segundo lugar, vieram as ideias de ser um lugar familiar, de cotidiano doméstico, voltado para o lar. Nas posições subsequentes, atribuiu-se ao imaginário tijucano a imagem da Praça Saenz Peña junto aos conceitos de ser uma comunidade supostamente tradicional/conservadora e bairrista.

COMO OS OUTROS VEEM A TIJUCA 

Por outro lado, quando analisados os dados com base no local de moradia dos respondentes, é interessantíssimo observar os posicionamentos. Para os moradores da Barra da Tijuca e adjacências, a Tijuca foi representada pejorativamente pela maioria. Ideias como “sujeira”, “assalto”, “ruas alagadas” e “periferia” foram apontadas nesse grupo. “Muitos mendigos, prédios pichados e vendedores ambulantes nas calçadas”, apontou um dos respondentes da Barra da Tijuca. “É tão subúrbio quanto o Méier”, disse outro.

Para os moradores da Zona Sul, a Tijuca foi apontada majoritariamente como um lugar tradicional e conservador, mas com dinâmica própria. “Poderia ser um município autônomo”, opinou um dos entrevistados. Outros assinalaram o espírito bairrista atribuído ao arquétipo do tijucano como metáfora do próprio jeito de ser carioca. Da mesma maneira, chamou a atenção menções à ideia de ser um bairro com tiroteio e assaltos, mas com preços mais acessíveis que os da Zona Sul, transmitindo um pensamento de que a Tijuca se equipara àquela região em termos de qualidade de vida.

Já na perspectiva dos moradores de outras localidades da Zona Norte, o estigma da Tijuca como local que se crê emancipado do restante da Zona Norte apareceu com certa preponderância:

— Que ninguém me ouça! Pois o tijucano não se vê como um morador da ZN carioca; isso é reforçado pelos cadernos de imóveis, onde encontramos a ZS, ZN, ZO, Baixada e Tijuca – confidenciou um entrevistado.

Para os moradores do Centro, a Tijuca é associada à uma ideia de bairro na acepção da palavra, que mantém tradições familiares e laços afetivos:

— A primeira palavra que me vem à cabeça ao pensar na Tijuca é “bairro”, pois, das localidades com as quais tenho familiaridade no Rio de Janeiro (conhecimento este restrito à bolha que engloba área central e zona sul), esta é a única que me inspira algo como uma “identidade de bairro”. A Tijuca me parece um lugar que, para seus moradores, não é apenas um nome para determinado aglomerado de vias, mas sim uma região na qual as pessoas que ali vivem, via de regra, sentem-se afetivamente enraizadas – opinou um respondente.


COMO A REGIÃO DA TIJUCA VÊ A SI PRÓPRIA

Metrô: para os tijucanos, qualidade de vida e comodidade são termos representantes da Tijuca

Para os tijucanos e moradores das vizinhanças, a Tijuca é representada num ponto de vista levemente bipolar. Enquanto muitos celebram o bairro como um lugar família, cheio de atrativos e, portanto, digno de orgulho, outros apontam a questão da degradação social como parte indissociável da paisagem tijucana:

“Eu amo a Tijuca porque é um bairro que tem tudo que eu preciso perto e os tijucanos são ótimos vizinhos”.

“Tijuca é uma tribo. Todo mundo de alguma forma se conhece, já se viu, etc. fora que somos os famigerados tijucanos”.

“Tenho orgulho de morar na Tijuca desde pequena. Apesar da violência atual, é um bairro muito bom de morar. Tem tudo perto e é um bairro central para irmos para qualquer região da cidade”.

“Bairro bonito arborizado com praças incríveis onde se encontram velhos, jovens e crianças, farta gastronomia e comércio, opções de transporte. Falar do bairro sempre vai remeter as emoções”.

“Além da Centralidade, a Tijuca tem a característica de possuir uma cultura um tanto ‘provinciana’ (tijucano) sem perder as interfaces com a ‘metrópole’. Ou seja, consegue oferecer no mesmo espaço geográfico os dois ambientes mais valorizados pela sociedade moderna”.

“Pivetes aloprando na rua”.

“Mendigos, pivetes, pivetes de bicicleta, abandono, impunidade, ambulantes em excesso, falta de iluminação, farmácias, e irresponsabilidade sobre o trajeto do metrô”.

“Acho que o bairro tem uma aura muito presente de laços afetivos. Quem cresceu e fez amigos na Tijuca geralmente não se vê morando em outro lugar”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS


O que pode ser percebido a respeito dos resultados foi que, com exceção da figura da Praça Saenz Peña, as ideias que remetem à Tijuca são mais abstratas que concretas. Esse panorama confirma preliminarmente a hipótese de que não existe uma paisagem idealizada da Tijuca, como o senso comum diz existir na Zona Sul ou no Subúrbio. Mesmo tendo a Praça Saenz Peña como “local” citado pelos respondentes (ver Gráfico), deve-se argumentar que tal referência tem mais a ver com o posto de centralidade que a praça ocupa tanto no bairro como na região.

De todo modo, é perceptível ver como a Tijuca é representada pelos respondentes como um lugar “familiar” e pacato, com vida própria de bairro numa espécie de minicentro doméstico. Contudo, evidenciam-se também as contraposições: lugar pacato versus violento, bucolismo versus degradação, entre outros dissensos. Em outras palavras, a Tijuca é de fato algo "meio-não-sei-como", sempre em debate.

30 de abr. de 2016

Engenho Velho vs. Tijuca: a disputa dos topônimos ao longo do tempo

As freguesias antigas do Rio de Janeiro (capa do livro de Noronha Santos):
Tijuca, um topônimo situado na freguesia da Gávea.

A curiosidade em torno dos topônimos (isto é, nomes próprios geográficos) relacionados à Tijuca e sua região é vasta, mas as informações disponíveis são, por vezes, muito confusas. O qui-pro-quo remonta ao século XVIII, quando Tijuca, Maracanã, Andaraí, Grajaú, Vila Isabel, Rio Comprido, São Cristóvão e partes da região do Grande Méier formavam um único bloco territorial denominado “Sesmaria do Iguaçu”. Administrada pela Companhia de Jesus, essa sesmaria foi parcelada e leiloada em três grandes blocos depois da expulsão dos jesuítas do Brasil. Esses blocos ficaram conhecidos como São Cristóvão, Engenho Velho e Engenho Novo.

Engenho Velho era o nome da freguesia correspondente à atual área da Grande Tijuca. A primeira atividade econômica local foi o cultivo da cana de açúcar, seguida do café, já no início do século XIX. Porém, muitos autores afirmam que as plantações de café estavam mais concentradas nas “matas da Tijuca”, dando a entender que o Engenho Velho correspondia ao local de passagem entre Mata-Porcos (Estácio) e a “Tijuca”. Mas, aí, vem a pergunta: quer dizer que Engenho Velho e Tijuca não eram a mesma coisa?

Não; tornaram-se a mesma coisa. Ou melhor: a Tijuca fagocitou o Engenho Velho.

“Tijuca”, na verdade, era o topônimo original referente à parte alta da nossa região – evidentemente, o que conhecemos hoje por Alto da Boa Vista. Uma olhadela nos mapas das freguesias do Rio antigo permite concluir também que a então “Tijuca” pertencia supostamente à freguesia da Gávea. “Engenho Velho”, por sua vez, era o nome da freguesia cujas terras se espraiavam junto às encostas da Tijuca.

O Engenho Velho, em 1875: veja no canto superior à esquerda o topônimo "Tijuca".
Mapa da Biblioteca Nacional.

A Tijuca daquela época era considerada um dos locais mais agradáveis do Rio de Janeiro oitocentista. Por suas belezas naturais e vegetação opulenta, tratava-se de local predileto para passeios e excursões de nobres (só os ricos conseguiam fazer passeios distantes como este, sem falar no difícil acesso ao bairro por causa dos manguezais da Cidade Nova).

Por sua terra fértil, chamou a atenção de muitos franceses dedicados ao cultivo do café, e que logo se mudaram para o “alto” também atraídos por sua qualidade de vida, livre dos “miasmas” da urbe. A pompa “tijucana” nasceu, portanto, nas imediações da floresta, e por causa de figuras ilustres que passaram a residir por lá, como a Baronesa de Roeun, o Príncipe de Montpeliard, o Conde de Scey, o Conde de Gestas, a Madame de Roquefeuille, o Barão do Bom Retiro, o Visconde de Jequitinhonha, o Barão de Itamaraty, e a família Taunay.

O palacete do Barão de Itamaraty, na Rua Boa Vista: abandono no Alto da Boa Vista.
(Créditos: Pedro Teixeira/Agência O Globo).

Nicolas Antoine Taunay era membro da Missão Artística Francesa e chegou ao Rio de Janeiro em 1816. Seu conjunto de terras foi chamado de “Sítio Boa Vista”, área equivalente aos atuais limites da Floresta da Tijuca. Taunay residia junto à Cascatinha, por isto o nome da queda d’água levar o seu sobrenome. Assim, não é de se estranhar que a notoriedade deste sítio tenha influenciado na maneira como as pessoas se referiam àquele local ao longo dos tempos: “Tijuca”, “Alto da Tijuca”, “Sítio Boa Vista”, “Alto”... “Alto da Boa Vista”.

Mas, voltemos a falar do café.

O cultivo de café favoreceu uma ocupação mais intensiva da Tijuca e do Engenho Velho, que cresceu a uma taxa populacional de 67% entre 1821 e 1838 (a taxa de crescimento do Rio como um todo foi de 22% no mesmo período). No decurso do século XIX, a urbanização foi se alastrando cada vez mais por todo o Engenho Velho à medida que esta freguesia se integrava com a malha urbana existente. O aterramento do mangue da Cidade Nova foi fundamental nesse processo.

A secagem do café em fazenda localizada na Floresta. Gravura do século XIX. 
(Crédito: Louis-Jules-Frédéric Villeneuve e Johan Moritz Rugendas/Biblioteca Nacional do RJ)

A queda na produtividade do café também foi fator decisivo para a urbanização do bairro. O café devastou as matas da Tijuca quase por completo, fato que exigiu o restabelecimento da cobertura vegetal da área nos anos de 1870. Com a transferência sucessiva dos cafezais para o Vale do Paraíba - e também com a extinção de certas atividades agrícolas -, os terrenos foram sendo progressivamente fragmentados. Novas ruas e lotes foram abertos. 

O Engenho Velho se transformou numa “colcha urbana de retalhos” à medida que novas funções e usos do solo também iam emergindo. É importante lembrar que o século XIX foi nosso período de transição para a sociedade capitalista, época em que se fundou a morfologia urbana na qual vivemos até hoje. Logo, mais habitações foram construídas; mais serviços foram chegando por aqui.

Assim sendo, localidades específicas da freguesia do Engenho Velho conquistaram certa importância, sendo posteriormente chamadas ou reconhecidas por nomes à parte. O topônimo “Fábrica das Chitas” correspondia à área formada pela atual Praça Saens Peña e Rua Desembargador Isidro (por causa da fábrica de tecidos existente nas vizinhanças). “Andaraí Pequeno” se referia à Rua Conde de Bonfim, que só passou a ser identificada desta maneira em 1871. “Andaraí Grande” contemplava Andaraí, Vila Isabel (tornada independente em 1873) e Grajaú (partilhado em 1912).

Segundo autores do livro “História dos bairros: Tijuca”, publicado pela João Fortes Engenharia em 1984, Tijuca foi um nome que “desceu”. Isto porque, se antes “Tijuca” era o nome dado à parte alta, no início do século XX já se chamava de Tijuca pelo menos toda a área que vai da Usina até o Largo da Segunda-Feira.

Uma das razões que podemos apontar para que o topônimo fosse apropriado desta forma tem a ver com o prestígio conferido à “Tijuca” original – vide a prosperidade econômica dos cafezais, a distinção dos moradores ilustres, e o status auferido por suas belezas naturais. O núcleo rico da Tijuca cresceu e precisou espalhar-se territorialmente pelas adjacências, “morro abaixo”, especialmente com a criação da reserva florestal que hoje protege o Alto da Boa Vista.

O sociólogo francês Pierre Bourdieu cunhou o termo “espaço social” para designar aquele espaço imaginário cravado dentro de um espaço físico como local habitado por um grupo de pessoas que comungam uma mesma identidade, gostos e modo de vida (o habitus). Por este ângulo, é lógico pensar que, na segunda metade do século XIX, os novos moradores da freguesia do Engenho Velho – sobretudo aqueles que se instalaram na Usina, Muda e proximidades ao Alto – estivessem ali devido à simbologia da "Tijuca" original como lugar nobre. 

Igreja de São Francisco Xavier, em 1906: marco simbólico do Engenho Velho.

Por mimetismo – mas também porque pertenciam à mesma classe social –, reivindicaram indiretamente a extensão do topônimo “Tijuca” para seu local de ocupação. O espaço social da "Tijuca" estava sendo ampliado com a instalação de famílias daquele perfil nas encostas, já na parte baixa. E, desta forma, a designação “Tijuca” foi se estendendo ao longo da Rua Conde de Bonfim na proporção em que a freguesia do Engenho Velho se posicionava como lugar urbano habitado por uma classe social igualmente detentora dos valores simbólicos daquela “Tijuca”.

Pode-se imaginar que a decadência do uso de paróquias e freguesias como subdivisões administrativas da cidade do Rio tenha acompanhado o crescimento extensivo do topônimo “Tijuca” por este vale em que moramos. O “Engenho Velho”, por sua vez, continuou existindo até meados do século XX, mas não mais como divisão administrativa, e sim como localidade. Um sub-bairro, talvez?

Mesmo assim, sua área de alcance foi reduzida, conformando apenas o conjunto de ruas situado entre o Rio Comprido e a Rua São Francisco Xavier, localidade onde os jesuítas ainda no século XVIII ergueram a Igreja Matriz de São Francisco Xavier do Engenho Velho. Uma evidência deste limite moderno entre Engenho Velho e Tijuca está na Praça Carlos Paolera, em frente ao Teatro Ziembinski: um monumento do Rotary Club dá as boas-vindas à Tijuca a partir daquele local. Instalado em 1986, o "totem" permanece até os dias de hoje no mesmo ponto, livre de vandalismos.

Ainda no livro “História dos bairros: Tijuca”, da João Fortes Engenharia, os autores afirmam que a estação de metrô da São Francisco Xavier se chamaria “Engenho Velho”, nos anos 1970. Entretanto, alguns tijucanos influentes protestaram contra a decisão sob o argumento de que este topônimo já estava em desuso “há décadas”. 

Estes podem ter sido sinais de que a Tijuca já havia, portanto, se alastrado rumo ao Estácio, condensando num único território seus valores e simbologias de lugar valorizado, aristocrático, primariamente chique. Vem daí a essência do "chamar-se" tijucano, gentílico surgido nos anos de 1940. Assim como as disputas pelos limites da Tijuca, como a exemplo de ruas do Andaraí, Vila Isabel, Maracanã e Rio Comprido que, volta e meia, se intitulam tijucanas. O próprio epíteto de "Grande Tijuca" já é uma amostra desse debate do querer-ser Tijuca.

Material consultado:
ABREU, Mauricio de Almeida. Evolução urbana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: IPP, 2008.
CARDOSO, Elizabeth Dezouzart. História dos bairros: Tijuca. Rio de Janeiro: João Fortes Engenharia, 1984.
GERSON, Brasil. História das ruas do rio. 6a edição. Rio de Janeiro: Bem-te-vi, 2013.
LESSA, Carlos. O Rio de todos os Brasis. Uma reflexão em busca de auto-estima. Rio de Janeiro: Record, 2005.
ROSE, Lili; AGUIAR, Nelson. Tijuca: de rua em rua. Rio de Janeiro: Editora Rio, 2004.

2 de abr. de 2016

O adeus da Papelaria Lord: mais uma tradição tijucana que se despede

Encerramento das atividades da Papelaria Lord, na Conde de Bonfim: menos uma tradição tijucana.


Após 54 anos funcionando à Rua Conde de Bonfim 176, esquina de Visconde de Figueiredo, a Papelaria Lord decidiu encerrar suas atividades "por motivos diversos", segundo aviso institucional dos proprietários. Os avisos de "passo o ponto" já estampavam as vitrines do tradicional estabelecimento desde o final de janeiro de 2016. Contudo, a despedida oficial ocorreu no dia 2 de abril, com a liquidação dos produtos que restaram.

Assim como a Casa Sian, fechada em 2008 na Praça Saenz Peña, a Papelaria Lord é um dos derradeiros estabelecimentos comerciais tijucanos que vinham resistindo aos tempos "modernos". Mesmo não tendo sido divulgada a verdadeira razão do seu fechamentp, não seria estranho atribuir tal motivação à concorrência desleal das grandes papelarias, como a Casa Cruz e a Kalunga, que mantêm filiais na Conde de Bonfim. Sem mencionar o perfil de consumo da era atual, muito voltado às tecnologias digitais. Já não se compra artigos de papelaria e brinquedos (senão video games) com tanto entusiasmo (e necessidade) como antigamente.

Grande parte do carinho atribuído à Papelaria Lord se deve aos antigos proprietários: os portugueses Antônia Rosa Garcia da Cruz e Domingos José Gonçalves, mais conhecidos como dona Rosinha e seu Domingos. O ator e humorista Carvalhinho, morto em 2007, morava na Rua Conde de Bonfim entre Araújos e Moura Brito quando deu o seguinte depoimento ao caderno "Tijuca", de O Globo, em 14 de julho de 1994: "Adoro conversar com os portugueses Rosa e Domingos, donos da Papelaria Lord. Falamos sobre a 'terrinha'. O bate-papo vale mais do que qualquer sessão de análise".

"Tijuca", O Globo, 27 jul. 1993


Na página de O PASSEADOR TIJUCANO, no Facebook, nossos leitores do blog também demonstraram seu apreço à Papelaria Lord:

"Como conversava com D. Rosa! Sempre uma palavra amiga" (Ana Lúcia Raed).  
"Triste fim! Saía da Mesbla criança e sempre ficava desejando os jogos expostos na vitrine dessa papelaria" (Torvi M Hr).
"Dona Rosa era uma pessoa especial... Essa papelaria era um ponto de referência para quem sempre viveu na Tijuca" (Maria Carolina Ribeiro) 
"Aqui em casa somos fregueses habituais da Lord. Ali compramos artigos de papelaria, não necessariamente para nossos filhos. Vamos sentir saudades, assim como jamais nos esqueceremos da Dona Rosa" (Elpidio Coutinho).
"Inacreditável. Mais um comércio tradicional da Tijuca indo embora... Provavelmente no lugar da Lord, onde eu sempre comprei meus materiais de papelaria, virá uma drogaria ou uma loja 1,99. Muito triste!!" (Isabela Ledo).

Publico aqui, na íntegra, o emocionante aviso institucional da Papelaria Lord sobre o seu fechamento.

AOS CLIENTES E AMIGOS DA PAPELARIA LORD
Por mais de 50 anos, a Papelaria Lord faz parte da vida dos tijucanos.
Aqui, papai (Domingos) e mamãe (Rosa) fizeram de seus clientes grandes amigos.
Aqui nossos pais trabalharam por mais de 50 anos, e graças a este trabalho, conseguiram formar 4 filhos - 2 médicos (Aurora e Manuel), 1 atuária (Lucia) e 1 professora (Rosa).
Aqui também muitos tijucanos compraram, durante anos, material para seus filhos, e por aqui mamãe e papai viram passar crianças que começaram comprando seus primeiros lápis e borrachas - hoje médicos, engenheiros, bancários e tantas outras profissões e, ainda hoje, vêm matar as saudades olhando a papelaria.
Aqui, durante todos esses anos, nossos pais ajudaram a comunidade carente do Salgueiro com lápis, borracha, cadernos.
Aqui iniciamos nessas crianças o estímulo a atividades lúdicas e datas importantes, com a criação de painéis para seus trabalhos.
Aqui tivemos momentos de alegria, manifestações de fraternidade, solidariedade e cooperação.
Aqui mamãe se tornou conselheira e psicóloga de milhares de clientes amigos.
Aqui se criou uma relação de amizade, amor e honradez.
Hoje estamos encerrando nossas atividades, por motivos diversos, mas com certeza levamos conosco as lembranças de todos que nos são muito queridos.
Em nome de nossos pais, nosso muito obrigado, e não se esqueçam nunca da dona Rosinha e do seu Domingos.

Vai deixar saudades. No local, funciona desde dezembro de 2016 o Galeto Tijuca (publicação atualizada em 05 jul. 2017).

28 de mar. de 2016

Rua Conde de Bonfim 841: e lá se vai mais um casarão da Tijuca!

Na Muda, casario dos anos 1910 será posto abaixo: patrimônio em baixa.

A notícia de que o imóvel centenário da Rua Conde de Bonfim 841, na Muda, seria demolido foi dada semana passada no grupo “Tijuca de todos os tempos”, no Facebook. Na ocasião, as fotos publicadas por Ney Carmelita mostravam as janelas da casa ainda intactas. Porém, nesta última sexta-feira, 25 de março, indícios de que o “põe-se abaixo” estava confirmado refletiam na própria aparência do imóvel, já parcialmente afetado. Até aquele dia, o telhado já havia sido removido, assim como algumas vigas internas.

Construído em 1905, este casario é mais uma das vítimas do abandono e do descaso com o patrimônio da cidade. A falta de interesse – somada à falta de recursos – dos proprietários acaba por dar fim à nossa história. Sem mencionar a especulação imobiliária, que, em repetidas ocasiões, influencia consideravelmente na dinâmica de reprodução da cidade. Resta-nos, por fim, e com muito pesar, guardar essas imagens para a posteridade.

27 de mar. de 2016

Rua Pinheiro da Cunha & Rua Cotingo

Panorama da Rua Pinheiro da Cunha: arborização e edifícios baixos, como o simpático Jardelina, no número 62, à direita.

Com desenho análogo ao de uma cauda felina, a Rua Pinheiro da Cunha fica na Usina e é transversal à Conde de Bonfim, na altura do Hospital Venerável da Ordem Terceira da Penitência (atual São Francisco). Dali, sobe uma pequena ladeirinha hoje tomada por simpáticos edifícios baixos e se encurva, onde logo adiante faz esquina com outra rua – a Cotingo, esta sim basicamente formada por casarões. Dali, metros depois se encurva novamente para erguer-se de modo linearmente tortuoso rumo à montanha. Seu final é uma cul-de-sac encravado no Maciço, em que eu e nem mesmo o Google Street View chegamos até lá. O dia estava tão abafado que preferi ficar por ali mesmo, na parte baixa, cujo circuito já dava uma boa amostra do perfil décadence avec élégance da região.

A Usina tem uma das paisagens naturais mais bonitas da Tijuca e de todo o Rio de Janeiro. Não à toa, a arquitetura local soube aproveitar essa estética ao estilo dos prédios e casas, notoriamente aburguesado e nada contemporâneo. O Edifício Geribatu, logo na esquina com a Conde de Bonfim, por exemplo, reproduz o requinte monumental dos prédios de Copacabana dos anos 1950. O gradeamento opressivo das janelas e a falta de conservação da fachada são compensados, por outro lado, pela portaria livre de cercados. Seu acesso se dá diretamente da rua, sem intermediários, tal qual em tempos remotos. Belo e maltratado, o Geribatu é um deleite para os amantes das ruas e de sua arquitetura.

Edifício Geribatu, na esquina de Conde de Bonfim: elegância de tempos passados.
Rua em "curva", cujo desenho forma uma espécie de cauda felina

Vista lateral do Edifício Jardelina, um dos mais bonitos da Pinheiro da Cunha.

Chalé suíço geminado

De mais a mais, a vegetação opulenta do entorno faz da Rua Pinheiro da Cunha uma pequena floresta. Tanto ali como na Rua Cotingo é fácil encantar-se com bananeiras, paus-brasis, ervas-de-passarinho, além de plantas ornamentais e de flores rosas, amarelas e lilases. Canteiros de diferentes tamanhos também ocupam as calçadas, adornando-as mutuamente com a beleza dos edifícios subsequentes. Chamo a atenção para o Edifício Jardelina, no número 62, que é de um mimo inexplicável. Este, aliás, é um dos raros exemplos de edifícios “clássicos” no bairro em que pouco de seus traços foi mudado. O muro baixo, além de charmoso, é sinônimo de alívio: remete-nos à sensação de estarmos livre das claustrofobias urbanas. Ali, vive-se à moda antiga e tradicional, adjetivos mais do que apropriados para a Usina.

No encontro da Pinheiro da Cunha com a Rua Cotingo, um belo casarão descortina o sombreado corredor de prédios instalado anteriormente. Segundo uma amiga que reside logo ali, na “curva”, o imóvel ficou por muitas décadas tomado por um denso matagal. Em função disto, os traços elegantes da casa escondiam-se sob a mata, hoje desvelados aos olhos do pequeno público que transita pela via. A pompa toda, decadente – diga-se de passagem –, refere-se à Tijuca da época dos solares habitados por uma classe aristocrata e influente. Sem mencionar o cenário de fundo, que reforça ainda mais o fascínio causado pelas montanhas às antigas famílias abastadas: é dali de onde são avistados mais de perto ainda os picos da Tijuca e do Papagaio.


Casario elegante na esquina da Pinheiro da Cunha com Contigo: marcas do tempo
Sinalização da Rua Pinheiro da Cunha


Panorama das espécies arbóreas da Rua Cotingo

Estilo dos casarões: linhas clássicas, amplitude, centro de terreno e quintal. 


Rua Cotingo: os "picos" ao fundo
Para além da arborização e da arquitetura, as disputas políticas também estão presentes na Rua Pinheiro da Cunha. Enquanto no adorável chalé suíço hasteia-se a bandeira vermelha referente ao Partido dos Trabalhadores, mais adiante, o posicionamento é outro. Uma divertida caricatura da presidente Dilma Rousseff riscada pelo símbolo de proibição foi pregada junto à entrada da garagem de outra aprazível residência.

Já na Rua Cotingo, as disputas ocorriam entre as aves – pelo menos no momento em que eu por ali passeava. Gaiolas nas janelas, beija-flores libertos. É sinfônico este mundo dos pássaros, permeado por assobios que ecoam por todos os cantos, de diferentes timbres. A tais melodias misturavam-se as do rádio de pilha, um pouco abafadas pelo contato estreito deste com a orelha de certo transeunte. O ruído das motocicletas a mil pela Conde de Bonfim também foi incorporado à composição. Eis o produto musical da conjunção entre a urbe e a natureza.

O estilo clássico da Rua Cotingo é marcado também por certo ar de abandono. As casas amplas e confortáveis pararam dignamente no tempo, mas sem o esmero do jardim bem cuidado ou dos cercados ainda à tinta fresca. A Rua Cotingo cheira à domingo, de manhã preguiçosa em rede de dormir e de almoço em família. Tem aspecto de rua de avó ao estilo Dona Benta, que serve bolinho de chuva com café no final da tarde aos filhos, sogras e genros, netos e netas. Estes se despedem e regressam às suas casas, longe dali ou até mesmo perto, mas certamente em ruas mais modernas. A Rua Cotingo é adorável, mas nostálgica. É levemente melancólica e romântica ao mesmo tempo – igualzinha à Tijuca. Por isto nosso amor.
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