25 de jul. de 2015

Rua Conde de Bonfim 186: um endereço de metamorfoses

Rua Conde de Bonfim 186: endereço emblemático que já concentrou diversas ocupações emblemáticas para a Tijuca.

O terreno da Rua Conde de Bonfim entre as ruas Conselheiro Zenha e Visconde de Figueiredo poderia ser considerado como parte de um endereço repleto de metamorfoses. Do século XIX até os dias de hoje, o número 186 da principal artéria tijucana já teve nada menos que sete ocupações distintas, todas muito simbólicas para a cultura local do bairro: de residência aristocrática no século XIX, já foi colégio tradicional, loja de departamentos e atualmente abriga a filial de um supermercado. 

Créditos: Fernando França Leite (Grupo Tijuca de todos os tempos)

Na segunda metade do século XIX, quem vivia no referido terreno da prestigiada Rua Conde de Bonfim era ninguém mais, ninguém menos, que Luís Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias, que dá nome ao município da região metropolitana fluminense. O militar morou nesse belo palácio até o dia de sua morte em maio de 1880, cujo funeral, segundo relatos, parece ter sido um grande acontecimento não só para a Tijuca assim como para toda a cidade:

Nove de maio de 1880 - Funerais do duque de Caxias: Às nove horas da manhã regurgitava o solar do duque de Caxias, na rua Conde de Bonfim, confluência das atuais Visconde de Figueiredo e Salgado Zenha. Ia sair o enterro do grande homem que fez jus em vida às homenagens até hoje prestadas pela Pátria: o único duque da nossa aristocracia (...) Tudo simples, para obedecer ao testamento do ilustre morto. Mas o acompanhamento foi sem dúvida o mais numeroso a que a cidade assistira. Ao chegar o coche ao cemitério de São Francisco de Paula, em Catumbi, ainda se enfileiravam carros para o cortejo em Conde de Bonfim. Logo após o coche fúnebre, iam 16 moços de estribeira e outro coche, com a coroa do duque, envolta em crepe e os símbolos militares com que invariavelmente conduziu o Brasil ao caminho da vitória: a espada, as dragonas, o talim, a banda e o chapéu... (trecho de Tijuca, de rua em rua [Editora Rio, 2004], de Lili Rose e Nelson Aguiar, páginas 118-119)

Supõe-se que logo após a morte do Duque de Caxias é que a sua então residência tenha virado sede do Club da Tijuca, no final do século XIX e início do século XX. Infelizmente, não existem muitas informações a respeito desse clube. Pesquisá-lo no Google, por exemplo, é tarefa complicada, já que o sistema de pesquisa acaba remetendo todos os resultados da busca ao Tijuca Tênis Clube por causa da semelhança entre os nomes. No grupo do Facebook Tijuca de todos os tempos, de onde tirei grande parte dessas imagens, ninguém soube me responder a respeito deste enigmático club.

Imagem do departamento feminino do Instituto La-Fayette, na Conde de Bonfim
Créditos: Fernando França Leite (Grupo Tijuca de todos os tempos)

Contudo, foi a partir de 1916 quando a Conde de Bonfim 186 tornou-se endereço de uma das mais emblemáticas instituições educacionais da Tijuca: o extinto Instituto La-Fayette. Com duas filiais na Tijuca e outra em Botafogo (na praia, esquina de Visconde de Ouro Preto), a ala feminina do La-Fayette estudava na Conde de Bonfim, enquanto a ala masculina ficava na Rua Haddock Lobo, no mesmo prédio onde hoje funciona a Fundação Bradesco. Para Felipe Torreira, do blog Pileque, que publicou um post de memórias incríveis do referido colégio em dezembro de 2008 (vale a pena ler também os comentários de leitores), o Instituto La-Fayette era um colégio antológico, histórico, e tijucano. Vive na memória dos moradores até hoje com muito orgulho. Afortunados são os que vestiram aquele uniforme. O prestígio inquestionável do colégio fez com que a charmosa rua que margeia a Pedra da Babilônia e o Colégio Militar, nas imediações da Rua São Francisco Xavier, ganhasse em 1947 o nome do fundador da instituição: Professor Lafayette Côrtes.

Reprodução: O Globo, 26 abril de 1981.

Fachada da Mesbla, na Tijuca
Após um misterioso incêndio nos anos 1970, o prédio do Instituto La-Fayette foi infelizmente demolido para dar lugar, em abril de 1981, à nova filial da também extinta loja de departamentos Mesbla. O novo edifício, modernoso para os anos 1980, em nada lembrava o simpático solar onde residiu o Duque de Caxias. Sinônima de vitrines elegantes e mercadorias para todos os bolsos, a Mesbla funcionou na Rua Conde de Bonfim 186 por quase 19 anos, quando em agosto de 1999 fechou as suas portas após ter tido a falência de toda a rede decretada. Na edição do dia 26 de agosto daquele ano, reportagem do caderno "Tijuca", de O Globo ("Magazine na memória da vizinha", 26 ago. 1999) coletou depoimentos de moradores sobre o fechamento da loja:

O lugar era ideal porque, se uma das duas se atrasava, a outra podia dar uma voltinha pela loja para passar o tempo. Afinal, a diversão preferida das mulheres é olhar vitrine (Maria Aurélia Castro, dona de casa, usava a Mesbla como ponto de encontro com a filha, Luciana)

Não gosto de lojas de departamento. Estão sempre cheias e com pouca variedade. Já na Mesbla era diferente. Eu adorava passear nos corredores e sempre acabava comprando alguma coisa (Luciana Castro, tijucana, filha de Maria Aurélia).

Apesar de a tendência ser o fim dos cinemas de rua, gostaria de ver algo no estilo do Estação, com um espaço moderno, filmes alternativos, café e livraria. É disso que o bairro precisa (Roberto Santos, publicitário).

Eles estão por toda parte. É difícil competir com um mercado que vende de tudo: alimentos, eletrodomésticos, roupas e utensílios para o lar. Lamento o fim da Mesbla, mas só os grandes sobrevivem (Lino Souza Gomes, aposentado, que previu o surgimento de um hipermercado no local).

Reprodução: O Globo, 26 de agosto de 1999.
Hipermercado Bon Marché Magazine, inaugurado na Conde de Bonfim 186 no ano 2000.

Foi a partir do ano 2000 quando o número 186 da Rua Conde de Bonfim entrou para a era dos supermercados. Na mesma época, grandes terrenos e edifícios importantes do bairro passaram por esse mesmo processo, como a antiga Companhia Hanseática, na Rua José Higino, transformada num Hipermercado Extra 24 Horas. Na Conde de Bonfim, o mercado inaugurado por lá foi o igualmente falido Bon Marché, do Grupo Pão de Açúcar, que encerrou suas atividades no local por volta de 2005 para dar lugar à filial da tradicional Casas Sendas, braço também pertencente ao GPA a partir de meados da década passada.

Casas Sendas, na Conde de Bonfim com Visconde de Figueiredo, durou até 2011.


O atual Supermercado Extra, na Conde de Bonfim 186 (imagem de 2015).

Entre 2010 e 2011, a marca Sendas foi trocada gradativamente por Extra e Pão de Açúcar. Havia uma expectativa de que essa filial da Conde de Bonfim fosse transformada em uma loja do Pão de Açúcar, já que a filial da Rua Uruguai havia fechado anos antes, sobrando apenas a loja da Praça Afonso Pena, que continua funcionando normalmente. No entanto, as únicas Sendas transformadas em Pão de Açúcar foram aquelas situadas em bairros turísticos, como Leblon e Copacabana. Assim, desde o início desta década, a Rua Conde de Bonfim 186 vem abrigando uma sucursal do Supermercado Extra.

Rua Conde de Bonfim 186: um endereço de metamorfoses. Depois desta retrospectiva, só nos resta aguardar as cenas dos próximos capítulos; se o endereço fizer jus ao seu perfil de transformações, o Supermercado Extra dará lugar a outro empreendimento muito em breve.

19 de jul. de 2015

Tijuca: subúrbio ou simplesmente Zona Norte?

Praça Saenz Peña: cinemas de rua em funcionamento conferiram à região a alcunha de "Cinelândia da Tijuca".
Créditos: Ignacio Ferreira (1989).

Em edição comemorativa pelo aniversário de 256 anos do bairro, o repórter Mauricio Peixoto do caderno “Tijuca”, que saiu nessa última quinta-feira (16 jul. 2015) no Jornal O Globo, afirmou que os tijucanos gostam de exaltar o passado da região ao relembrarem orgulhosamente “dos cinemas na Praça Saens Peña, a ‘Cinelândia do subúrbio’”. De imediato, o termo “Cinelândia do subúrbio” chamou a atenção dos mais atentos leitores pelo simples fato de que a Saenz Peña, nos tempos áureos do cinema de rua, sempre foi conhecida apenas como a "Cinelândia da Tijuca", ou, mais recentemente, como a "Segunda Cinelândia Carioca" (graças ao livro da ótima Thalita Ferraz), embora nunca como "Cinelândia do subúrbio".

Matéria do O Globo Tijuca, de 16 jul. 2015
A questão é que existe uma ideia equivocada de que toda a Zona Norte carioca seja sinônimo de subúrbio, senso comum que motivou o repórter de O Globo a adjetivar a extinta cinelândia do bairro como "suburbana". Eis, então, a "polêmica", porque a Tijuca não é considerada oficialmente um bairro do subúrbio. E antes de defender esse argumento, é preciso reconhecer de cara que se trata de uma polêmica digna de qualquer tijucano que a defenda ser xingado de separatista, metido, arrogante, elitista etc. pelo restante da Zona Norte. Mas há fundamentos científicos que embasam essa afirmação, sustentados pela própria Prefeitura do Rio de Janeiro.

Grosso modo, todo subúrbio carioca é necessariamente parte da Zona Norte, mas há bairros da Zona Norte que não são tidos como subúrbios – como, por exemplo, Tijuca, Vila Isabel, São Cristóvão, entre outros bairros vizinhos. Por outro lado, esse entendimento, além de específico, também deveria ser visto como ultrapassado. Isso porque, no dicionário, subúrbio significa “arrabalde ou vizinhança da cidade ou de qualquer povoação”, o “território extramuros da cidade”. Porém, hoje em dia, os bairros “suburbanos” do Rio dispõem de uma conotação muito mais pejorativa e ideológica do que geográfica, já que, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea) de 2010, o Rio de Janeiro e sua região metropolitana tem grau de urbanização que já alcança valores percentuais na faixa de 99%. Ou seja, não existem mais subúrbios na acepção da palavra: são todos bairros urbanizados e integrados com a cidade.

Para o caso da Tijuca - e retomando um pouco a história urbana carioca -, o apelido inventado pelo repórter, de “Cinelândia do subúrbio”, é inconsistente porque a região nunca chegou a se consolidar propriamente como um subúrbio da cidade dada a sua contiguidade espacial ao Centro do Rio. O processo de urbanização se expandiu rapidamente da região central, a partir do século XIX, para a Tijuca (na época, Engenho Velho), São Cristóvão e Botafogo, conformando, desse modo, uma única mancha urbana desde o início do século XX. Todos esses bairros citados fazem parte do rol dos mais antigos da cidade em relação àqueles de ocupação residencial, melhorias urbanísticas e integração viária na circunvizinhança do Centro.

As lojas e cinemas da Praça Saens Peña, nos anos 1950 (reprodução de livro).

O CONCEITO CARIOCA DE SUBÚRBIO

Subúrbio, no Rio: conceito ideológico
O livro “O rapto ideológico da categoria subúrbio” (Editora Apicuri, 2011), do professor de pós-graduação em Geografia da Universidade Federal Fluminense (UFF) Nelson da Nóbrega Fernandes, mostra um apanhado histórico dos antigos subúrbios cariocas a partir do ano de 1858 indicando que, em mapas oficiais da cidade e em outras documentações consultadas, subúrbio, poderia ser tanto o Méier, Madureira e Inhaúma, como os bairros de Copacabana, Ipanema e Gávea, hoje considerados nobres, da Zona Sul. Isto é, se tratavam de regiões adjacentes à zona previamente urbanizada, como o Centro e os bairros ao seu redor citados anteriormente, caracterizando-se, portanto, como regiões suburbanas no sentido literal.

Nos Estados Unidos e na Europa, onde o processo de urbanização das cidades foi pioneiro, o subúrbio, em geral, foi e continua sendo o espaço destinado às elites e classes médias – que para lá se refugiaram contra os aglomerados urbanos insalubres e perigosos da época das indústrias. São lugares bucólicos, ajardinados e de casas confortáveis. Até o início do século XX, essa acepção de subúrbio também se aplicava ao Rio de Janeiro. Segundo Fernandes, o subúrbio era o local de nobreza – não tão chic como Botafogo ou o Engenho Velho, bairros da aristocracia, como ele próprio sentencia –, mas com serviços voltados a essa classe, que também se dirigiam para lá com fins de descanso.

Segundo o autor, teria sido a partir da reforma urbana do prefeito Pereira Passos, em 1903, quando o conceito de subúrbio ganhou contornos mais ideológicos e pejorativos no contexto do Rio de Janeiro. Com a implantação de uma nova ordem urbana no Centro da futura metrópole, associada também à expansão do mercado imobiliário para as classes altas à beira-mar, o proletariado do Centro foi “expulso” para os subúrbios, passando a ser vistos como locais estratégicos de escoamento dessa população marginalizada para bem longe do Centro “civilizado”. Para Fernandes, não houve uma política de moralização da classe trabalhadora nesse processo, o que favoreceu a emergência do caráter pejorativo que o termo “subúrbio” emana no cenário carioca. Em outras palavras, o lugar “sem classe”, desvalorizado, de mau gosto.

TIJUCA, UM BAIRRO GENUINAMENTE NOBRE 


O bailado (e vestimenta) dos tijucanos,
por Olavo Bilac, em 1906
É com base no conceito carioca de subúrbio como remetente à ideia de locais habitados originalmente por classes socioeconômicas menos privilegiadas onde podemos constatar que a Tijuca e sua região, em termos históricos, geográficos e especialmente ideológicos, não pode ser considerada um subúrbio da cidade, mesmo fazendo parte da Zona Norte, onde se localiza grande parte dos originais subúrbios na atualmente. Primitivamente aristocrática, a Tijuca, nos seus primórdios, foi um bairro bastante valorizado, berço de famílias tradicionais e de uma classe média com bom poder aquisitivo que, mesmo com o êxodo dos anos 1990, continua caracterizando o perfil social da região mesmo nos dias de hoje.

Na obra clássica “A evolução urbana do Rio de Janeiro” (IPP, 2008), do também geógrafo Mauricio de Almeida Abreu, diz-se que entre 1870 e 1902 só morava fora da área central “quem podia se dar ao luxo” de arcar com os custos dos terrenos da Glória, Botafogo e Tijuca. Abreu cita também o papel dos bondes no desenvolvimento de bairros da Zona Sul e da Zona Norte, ou, em suas palavras, “os ricos bairros de chácaras da zona norte, como Tijuca e Andaraí” (p. 45).

Gilberto Velho, no estudo antropológico “A utopia urbana” (Editora Zahar, 1989), dos anos 1960, faz uma análise da estrutura social do bairro de Copacabana mostrando que considerável parte dos moradores que se mudaram para lá eram originalmente tijucanos. Em outras palavras, a construção de um bairro voltado para a elite, como foi o caso de Copacabana no início do século passado, favoreceu a migração de elites de outras partes da cidade, como a Tijuca, para esse novo “paraíso” imobiliário, cheio de signos e estilo de vida vistos como superiores.

Em “A invenção de Copacabana” (Editora Zahar, 2013), de Julia O’Donnell, é comentado que os jornais de bairro que circulavam em Copacabana por volta dos anos 1920 tinham grande articulação com os congêneres que circulavam entre a comunidade tijucana, mais especificamente a do Tijuca Tênis Clube, e a de Icaraí, em Niterói, por concentrarem uma elite com interesses comuns aos da de Copacabana. Nesse mesmo livro, O’Donnell fala que a “invenção de Copacabana” não só como local de residência burguesa, mas também lugar de passeio, sociabilidades e comensalidades, colocou aquele bairro lado a lado com a Tijuca em termos de lazer; segundo ela, a Tijuca era “um dos destinos privilegiados para os piqueniques na capital” nos anos 1920.

Em livro de Cynthia Campos Rangel derivado de sua dissertação de mestrado defendida no Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR/UFRJ), “As Copacabanas no tempo e no espaço” (Observatório das Metrópoles, 2003), a região da Tijuca é categorizada como “Zona Norte nobre” na pesquisa em diferenciação socioespacial e hierarquia urbana da autora:

A Zona Norte nobre inclui os bairros da Tijuca, Vila Isabel, Andaraí, Grajaú, Alto da Boa Vista e Maracanã. Trata-se de uma área tradicional da cidade, onde ainda residem membros das classes superiores de nossa sociedade. Apesar da ausência de praia, importante símbolo de status carioca, os seus moradores e os que para lá pretendem se mudar, provenientes de outros bairros da Zona Norte ou do subúrbio carioca, apresentam um perfil elitizado (p. 57).

Destaca-se, nesse trecho, a diferenciação apontada pela autora entre Zona Norte e subúrbio, pontuando que os dois termos podem constituir noções distintas de localidades geográficas, detalhe que muitos cariocas ignoram, como o repórter de O Globo.


ZONA NORTE, ZONA SUL, SUBÚRBIO: HIERARQUIAS URBANAS

Para Gilberto Velho, a “divisão de zona sul, central, norte e suburbana tem forte conteúdo ideológico e subjetivo, formando um mapa social onde as pessoas se definem pelo lugar em que moram” (trecho citado na obra de Nelson Fernandes, p. 38).

Um bom exemplo que ilustra esse mapa social e a adoção cautelosa (senão temerosa) de denominações geográficas sobre os bairros é o caso da Barra da Tijuca. Considerada um subúrbio da cidade na acepção da palavra, no cenário carioca, entretanto, a Barra é vista como uma “periferia de alto status” por não dispor de feições morfológicas tampouco índices socioeconômicos semelhantes aos bairros tidos como “suburbanos”, como afirma Nelson da Nóbrega Fernandes em sua obra. Além disso, a ideia de "subúrbio", como já foi mostrado, infelizmente carrega um grande teor depreciativo, concepção que seria pouco atraente para os negócios e anúncios do aquecido mercado imobiliário da Barra e Recreio dos Bandeirantes caso estes fossem difundidos cotidianamente como bairros suburbanos pela população e, sobretudo, pelos empresários do ramo.

O mapa do Rio de Janeiro, da esquerda para a direita: periferia distante, periferia imediata (subúrbios) e o núcleo. Reprodução: ABREU, Mauricio. A Evolução Urbana do Rio de Janeiro (IPP, 2008).

Áreas de Planejamento do Rio de Janeiro, segundo o Plano Diretor: Tijuca e Vila Isabel pertencem à área
de planejamento 2, junto com bairros da Zona Sul, por afinidades socioeconômicas e perfil semelhante
da ocupação do solo. (Reprodução: Blog Mapa Ambiental)

Mauricio de Abreu, em “A evolução urbana do Rio de Janeiro” (IPP, 2008), assinala diversas vezes os limites entre núcleo e periferia incluindo sempre, por todas as questões já levantadas nesta publicação, a região da Tijuca no “centro”, ou seja, dentro do núcleo econômico. Em livro a ser lançado em agosto de 2015 pelo instituto de ciência e pesquisa Observatório das Metrópoles, da UFRJ, sobre as transformações na ordem urbana do Rio de Janeiro entre 1980 e 2010, vê-se que, em relação à organização social do território, as regiões administrativas da Tijuca e de Vila Isabel são categorizadas como de perfil superior no mercado imobiliário da cidade e que, tal qual Abreu apontou no estudo da evolução urbana do Rio, ambas continuam pertencendo ao núcleo econômico da cidade, conforme dados do último Censo Demográfico. 

De uma forma geral, o que todos esses autores indicam é que, muito embora a denominação da cidade por zonas seja uma construção social, existem questões históricas e geográficas que precisam ser levadas em conta na hora de se chamar um lugar ou outro de subúrbio. Por esse motivo que a região da Tijuca não pode ser denominada como suburbana, apesar de, incontáveis vezes, pontuar essa diferenciação – isto é, entre ser Zona Norte ou subúrbio – acabe necessariamente resvalando em questões muito mais de se querer expor uma divisão de classes sociais do que em questões histórico-geográficas do Rio de Janeiro.

Os cientistas sociais utilizam essa diferenciação entre Zona Norte e subúrbio como categorias para se analisar as desigualdades sociais no território, embora existam outros contextos e agentes que podem acabar reproduzindo tais designações geográficas com fins de pormenorização das hierarquias sociais entre os bairros, e, em muitas ocasiões, de maneira pedante. Como atualmente a grande mídia tende a massificar tudo que está para "além" do Túnel Rebouças, há uma tendência de se chamar, eventualmente, a Zona Norte inteira de subúrbio, principalmente porque grande porção do núcleo econômico da cidade está situado à beira-mar, diferentemente da Tijuca, que se trata de um bairro continental. 

14 de jul. de 2015

O dia a dia da Tijuca: boteco, família, escola e pedestres

No Rio de Janeiro dos espetáculos e dos megaeventos, a Tijuca mantém a tradição e se destaca como uma região cuja rotina é basicamente aquela de um bairro na acepção da palavra: famílias frequentando as praças e calçadas, estudantes uniformizados saindo das escolas, os botecos de sempre, que congregam desde beberrões a comensais, o vaivém daqueles que utilizam os transportes de massa, a caminhada matinal sob a luz do sol carioca. Neste ensaio fotográfico, é um pouco do dia a dia tijucano que entra em foco.

Bar na Rua Conde de Bonfim, entre as ruas Dona Delfina e Uruguai (Créditos: Pedro Paulo Bastos).

Bebês se entretêm no parquinho da Praça Xavier de Brito (Créditos: Pedro Paulo Bastos).

Avó e neta, de patinete, na Praça Xavier de Brito (Créditos: Pedro Paulo Bastos).

Não há praia na Tijuca, mas a Saenz Peña quebra um galho (Créditos: Pedro Paulo Bastos).

Rua Campos Sales com Haddock Lobo (Créditos: Pedro Paulo Bastos).

Pausa para as notícias do dia, no Largo da Segunda-Feira (Créditos: Pedro Paulo Bastos)

Alunas do Pedro II passeiam pela Rua Oto de Alencar (Créditos: Pedro Paulo Bastos).

Caminhada matinal pelo alto da Rua Sabóia Lima (Créditos: Pedro Paulo Bastos).

Tijuca, bairro residencial de uma grande metrópole (Créditos: Pedro Paulo Bastos).

3 de jul. de 2015

Praça Afonso Pena, 16h30min

Conformada pelo perímetro das ruas Afonso Pena, Martins Pena, Campos Sales e Doutor Satamini, a Praça Castilhos França (seu nome oficial, embora seja mais bem conhecida como Praça Afonso Pena) é um verde sorvedouro de crianças e passeadores localizado no iniciozinho deste nosso dileto bairro. Estive caminhando pela praça na tarde do último sábado, 30 de junho, não somente para conhecer o mais novo monumento da Tijuca - a estátua em homenagem à Tim Maia -, mas também para relaxar e desfrutar um pouco desse miniparque urbano. Além de todo o conjunto arbóreo dali, formado, entre outras espécies, por pau-brasis e sibipurunas, é da Praça Afonso Pena onde se tem vista privilegiada para o Corcovado - um dos poucos lugares da Tijuca onde é possível avistá-lo, diga-se de passagem. Agradabilíssimo passeio; as fotografias dizem por elas mesmas.

Avó e neta contemplam a estátua em homenagem à Tim Maia (Foto: Pedro Paulo Bastos)

Molecada do bairro (Foto: Pedro Paulo Bastos)

Rua Campos Sales e Praça Afonso Pena (Foto: Pedro Paulo Bastos)
O cair da tarde (Foto: Pedro Paulo Bastos)

Pipoqueiro: comida de praça (Foto: Pedro Paulo Bastos)

Correr, correr, correr (Foto: Pedro Paulo Bastos)

Inverno tijucano (Foto: Pedro Paulo Bastos)
O Corcovado, visto da Tijuca (Foto: Pedro Paulo Bastos)



Victor Belart, do FAZ NA PRAÇA: "[a Saens Peña] não deveria ser o lugar que a gente cruza apenas para ir ao dentista"

Victor Belart: FAZ NA PRAÇA
As praças da Tijuca têm vivido uma fase de efervescência cultural nunca antes experimentada. Eventos públicos com DJs, arte, debates, cinema, comida entre outras intervenções vêm ocorrendo com cada vez mais frequência na Saens Peña, Praça da Bandeira e Xavier de Brito. Neste último domingo, 28 de junho, por exemplo a inauguração do Cine Xavier exibiu o longa-metragem argentino Medianeras ao ar livre da Praça Xavier de Brito reunindo toda uma geração de jovens e adultos que possivelmente só havia frequentado a praça dos cavalinhos assim, tão integralmente, na infância. Já a Praça Saens Peña comemorou seu 104º aniversário de modo inovador, há cerca de um mês: considerada um lugar de afazeres domésticos e deserto à noite, a praça abrigou um grande concerto público que reuniu no mínimo 500 pessoas de todas as idades que dificilmente estariam por lá em circunstâncias comuns.

Por trás dessas iniciativas que estão incrementando o entretenimento (público) da Tijuca está o coletivo FAZ NA PRAÇA (ou melhor, Fluxo de Articulação de Zona na Praça), formado por um grupo de amigos do bairro engajados em trazer de volta à rotina dos cariocas o hábito de vivenciar as praças como local de interações e desfrute. Nesse grupo, Victor Belart, tijucano, jornalista e produtor cultural de 24 anos, tem se mostrado um notório representante do FAZ NA PRAÇA. Durante a festa da Saens Peña, Belart ganhou aplausos instantâneos após anunciar, no palanque, que a praça “não devia ser o lugar que a gente cruza apenas para ir ao dentista”, evidenciando a proposta e o lema do FAZ NA PRAÇA em tornar esses espaços públicos da região da Tijuca em um grande palco de intervenções coletivas e alternativas ao circuito tradicional de arte e entretenimento.

Aniversário da Praça Saens Peña deste ano: curadoria musical e artística a cargo do FAZ NA PRAÇA.
Créditos: André Valente.

Primeira exibição do Cine Xavier: cinema ao ar livre na Praça dos Cavalinhos.

O passeador tijucano conversou brevemente com Victor sobre a atuação do FAZ NA PRAÇA na Tijuca, além dos planos e novidades para o restante do ano:

De onde surgiu a ideia de fazer o evento em celebração ao 104º aniversário da Praça Saens Peña no último dia 30 de maio, levando em conta que, inicialmente, grande parte dos eventos do FAZ NA PRAÇA estava sendo realizada na Praça dos Cavalinhos?
Victor Belart: Já tínhamos interesse de fazer alguma atividade na Saens Peña, mas o evento do dia 30 não foi iniciativa nossa. A Associação Comercial e Industrial da Tijuca (ACIT) faz todo ano uma atividade na praça comemorando o aniversário dela e esse ano nós fizemos a curadoria musical e divulgação. Mas a iniciativa é originalmente da ACIT e rola ano a ano, agora especificamente para esse último evento, a ACIT teve alguns incentivos da Secretaria de Cultura para pagar certos custos estruturais. Já a Xavier de Brito [Praça dos Cavalinhos] virou uma espécie de laboratório nosso porque tudo começou por lá. Eu e a Tais Barcia fizemos um aniversário na Praça e desse evento a galera que apareceu decidiu se juntar pra fazer mais vezes. Muita gente da Tijuca tem história desde criança com a Xavier de Brito, mas na vida adulta esqueceu o sentido daquele lugar. Aquela praça tem especificamente algumas questões especiais, desde o choque cultural e social das crianças que habitam o espaço ou a própria ideia de já ser uma praça vista como “um fim”. Dificilmente alguém cruza a Xavier de Brito de passagem, todo mundo que está ali vai pra ficar pela própria praça. Esse tipo de Praça, que já tem uma movimentação própria, tem muito a ensinar para todos nós e também por isso pegamos o espaço como “laboratório”.

Qual sua função no FAZ NA PRAÇA? Você é o "líder"?
VB: Na verdade não tem nenhum líder; a ideia do FAZ NA PRAÇA é para ser um movimento orgânico. Na real, no início, era pra ser um movimento tão livre que poderia ocorrer ações do FAZ NA PRAÇA sem que nenhuma das 8 a 10 pessoas que fazem parte desse grupo estivessem envolvidas. Como se o FAZ NA PRAÇA fosse a ideia de fazer indiscriminadamente as coisas em praças, mas acabou que por algumas questões específicas de responsabilidade temos tomado um pouco de cuidado com isso. Se acontecer um FAZ NA PRAÇA sem nós e der algum problema, a responsabilidade recai sobre a gente, então queremos ter um pouco de cautela nesse sentido. Mas em todo caso, o FAZ NA PRAÇA é um grupo não muito rígido quanto à quantidade de pessoas, mas que varia sempre em torno de 8 a 10 e que querem levar atividade e movimento ao ar livre pela nossa cidade.


Baile da Minha Rua, na Praça da Bandeira: moradores mais antigos ainda resistem.
Créditos: Felipe Bauerfeldt (Deu Zebraa).


Vocês pretendem manter uma linha de ocupação de praças apenas na região da Tijuca (vide o Baile da Minha Rua, na Praça da Bandeira), para consolidar a programação cultural do bairro ou a proposta é expandir para outras regiões?
VB: Temos esse carinho especial pela Tijuca porque a maioria de nós é daqui e sabemos da falta de atividades do gênero pela área. Na verdade, o bairro tem melhorado muito nesse sentido também. Surgiram novos espaços de coworking, algumas atividades ao ar livre e até mesmo noturnas, mas o bairro ainda tem essa concepção de ser um “lugar somente para dormir”. A gente acaba vestindo muito essa bandeira tijucana porque crescemos aqui e sentimos a falta de atividades do gênero, mas a ideia do FAZ NA PRAÇA é que por todo o Rio de Janeiro se faça atividade na rua, ou seja, botar propriamente a praça no centro do debate urbano. Sempre falamos que as praças talvez sejam um dos únicos lugares onde a democracia realmente seja levada ao pé da letra.  Além disso, a questão da praça é importante para ampliar nossa ideia de cidade; quando saímos de casa e vivemos somente a nossa própria rotina, tendemos a não ter muita sensibilidade com a realidade do outro. Num evento de rua sempre vai ter um morador de rua e alguém que só frequenta shopping ali naquele mesmo espaço e ambos estarão nesse lugar para estar “além” do seu próprio estereótipo ou da própria rotina. Esse tipo de encontro rola naturalmente é só tende a ser positivo para todos os envolvidos.

Quais os próximos eventos? Novidades? Fiquei sabendo do Cine Xavier. É você quem está coordenando?
VB: Antes de tudo, precisamos terminar de resolver alguns problemas ainda pendentes do aniversário da Saens Peña. Num futuro muito próximo queremos fazer esse cinema na Xavier [a entrevista ocorreu antes da efetivação desse evento, no último dia 28 de junho], mas também nos sugeriram o Grajaú. Também temos a ideia de fazer alguma ocupação na UERJ, que não deixa de ser um espaço público do nosso bairro e que ainda tem uma ideia muito vertical, aquele cinza, aquele prédio gigante. Conhecemos uma galera recentemente que quer tentar fazer com que a UERJ tenha uma ideia mais plana, mais de praça.

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