23 de fev. de 2015

A versão tijucana de I LOVE NY em arte urbana, por Felipe Madeira

O designer Felipe Madeira, graduando em Desenho Industrial (UFRJ), é o autor da obra que
 ressalta, em forma de arte, a devoção dos tijucanos pelo seu bairro

O pedestre atento que circula pela Tijuca já deve ter reparado que, em questão de arte urbana, o bairro é uma verdadeira galeria a céu aberto. Recentemente, o que mais tem chamado a atenção nesta categoria em ruas como a Barão de Mesquita e a Professor Gabizo é a releitura tijucana do emblemático logotipo americano I LOVE NY (I ♥ NY), criação do designer gráfico Milton Glaser nos anos 1970 como parte de uma campanha para difundir o turismo na Big Apple nos anos de 1970. O símbolo, que tornou-se referência mundial e hoje serve de inspiração para diversas outras obras de arte, anúncios publicitários, estampas etc., chegou à Tijuca como I LOVE TJK (I ♥ TJK) em formato de lambe, uma espécie de pôster que vem ganhando cada vez mais espaço no rol da arte urbana carioca.

Um dos exemplares do I ♥ TJK, na Barão de Mesquita
Idealizador da ilustração, feita de jornal e stencil, o designer tijucano Felipe Madeira, de 22 anos, conta que desenvolveu esta ideia a princípio para estampar uma camisa, mas que acabou decidindo por usar a técnica do lambe quando participou de um workshop com o coletivo paulista SHN. O encontro rendeu-lhe não só um know-how, mas também a paixão por esta técnica que vem norteando sua trajetória artística. 

Sobre a arte, em primeiro lugar, cabe destacar que TJK é a abreviatura "internética" para Tijuca, muito difundida nos bate-papos de mensagens instantâneas durante os anos 2000. Daí a adaptação do NY para TJK, correlação igualmente pop ao NY e tributo de Felipe, nascido no Hospital da Ordem Terceira e ex-aluno do Colégio Pedro II, ao bairro onde reside:

Quis fazer uma brincadeira com a "marra" tijucana, mas acabei percebendo que me apropriei de um ícone tão forte, que trazia consigo um contexto tão poderoso, que acabou caindo como uma luva para o espírito tijucano. Acredito que seja de fácil identificação e compreensão para os demais bairros, afinal, quem não conhece o "I ♥ NY"? – aponta ele.


A versão original, marca registrada de Milton Glaser: inspiração mundial.
Felipe na ativa em região próxima ao Hospital Oscar Clark, no Maracanã,
junto ao mosaico de Elisa Pessoa, sua parceira "de rua"

Reprodução: Instagram.
Felipe explica que seus pôsteres, conhecidos em inglês como wheat-paste posters, são pregados com uma cola especial à base de farinha com água e soda cáustica (prática, segundo ele, mas nociva à saúde se não tomar os devidos cuidados) e que, embora não tenha uma parceria direta na produção dos seus lambes, não dispensa a companhia de amigos na hora de sair pelas ruas:

Não saio para colar sem amigos, são eles quem me dão ânimo de sair à rua depois de um dia de estudo e trabalho. Geralmente, meus lambes são vistos perto dos da Elisa Pessoa, também tijucana, estudante de design gráfico, que tem um trabalho muito interessante fazendo praticamente um mosaico de estampas feitas por ela. É tudo artesanal, bem manual.

Embora o I ♥ TJK seja uma de suas obras mais especiais, Felipe argumenta que não pretende se limitar à Tijuca como área de colagem, pois "se sentiria enjoado em ver a Tijuca infestada de I ♥ TJK's", atestando que produzir materiais novos é uma de suas necessidades pessoais enquanto artista. Além disso, alega que sua obra, além de prática e barata, dialoga diretamente com outras técnicas artísticas que, vez ou outra, se sobrepõem ao seu trabalho, como os adesivos (stickers).

Numa das imagens enviadas a O passeador tijucano, Felipe exemplifica esta interação entre o lambe e o sticker: ao invés do simbólico coração vermelho, surgiu o adesivo de um coração literal, ou seja, em sua versão biológica. Segundo o próprio, a arte de rua está a exposta a um tipo de efemeridade que proporciona tais interações e ressignificações constantes que, se por um lado, pode ser interpretado como vandalismo, por outro, é uma resposta positiva ao trabalho apresentado, capaz de mobilizar um diálogo direto com seus interlocutores.

Felipe, além de artista propagador do espírito tijucano pelas ruas do bairro, é graduando em Desenho Industrial com foco em Projeto de Produto na UFRJ e também estagia numa empresa focada em visual merchandising em Laranjeiras. Para quem quiser conhecer mais do seu trabalho, ele o expõe neste site (https://www.behance.net/felipemadeira) e no seu Instagram (https://instagram.com/felipe__madeira/).

Saudações tijucanas, Felipe!

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8 de fev. de 2015

Avenida Edson Passos: ex-avenida Tijuca

Avenida Tijuca (1938-1940)

Quem sobe de carro o Alto da Boa Vista nem sequer imagina que, no acesso à Estrada Velha da Tijuca, próximo ao retorno subterrâneo em direção ao Montanha Clube e a Usina, é possível encontrar um nobilíssimo patrimônio da cidade do Rio de Janeiro: a placa de inauguração da antiga Avenida Tijuca, atual Avenida Edson Passos.

Segundo informações da própria placa, as obras de criação e pavimentação ocorreram entre os anos de 1938 e 1940 durante a administração municipal de Henrique Dodsworth em pleno Estado Novo de Getúlio Vargas. Foi somente em 1954 quando a via passou a chamar-se Avenida Edson Passos, em tributo ao engenheiro falecido em 10 de junho daquele ano.

Passos foi Secretário de Viação e Obras Públicas do Distrito Federal de 1937 a 1945 e participou não só da abertura da Avenida Tijuca, assim como a das avenidas Brasil e Presidente Vargas e do projeto de duplicação de túneis como o do Leme e o do Pasmado. Foi, portanto, uma figura simbólica nas reformas urbanas viárias do Rio em meados do século XX.

3 de fev. de 2015

Relatos de uma Tijuca irritada com o Metrô, a violência e a perda de tranquilidade

A construção da Linha Quatro do metrô carioca, que ligou a Zona Sul à Barra da Tijuca, tirou o sono de muitos moradores de São Conrado, Leblon e Ipanema. As interdições, os tapumes e o consequente prejuízo ao comércio, aliados à insegurança e o temor aos desmoronamentos de prédios, temperam os argumentos que resistiram e reclamaram contra o metrô naquela ilustre parte da cidade. Entretanto, nos anos 1970, a Tijuca também foi assunto de inúmeras manchetes sobre a chegada do metrô à Zona Norte, alvo de antipatia quase unânime entre os tijucanos naquela época. O bairro, até então bucólico e tranquilo, foi convertido em um grande canteiro de obras e acometido por elementos pouco comuns ao cotidiano daquele momento: assaltos, poeira, engarrafamentos, caos. A Tijuca, tão orgulhosa de suas tradições, se via confrontada com a chegada de um progresso que, se hoje a põe no rol dos bairros com melhor infraestrutura de mobilidade do Rio, nos anos 1970, porém, era visto como filme de terror.

Diante dos transtornos vivenciados pelos moradores em 1977, o Jornal O Globo publicou uma extensa reportagem contendo relatos de residentes e comerciantes sobre a insatisfação de se viver na Tijuca junto à construção do metrô. Muito mais do que depoimentos que ilustravam a precariedade das obras metroviárias na cidade (como ocorre até hoje, quatro décadas passadas), esta matéria, assinada por Heloisa Daddario, é um grande documento sobre a história moderna da Tijuca, mas especialmente sobre a identidade do tijucano dos anos 1970, que apresenta justificativas nada cerimoniosas sobre os seus dissabores bairristas.

Nota-se que esses depoimentos ilustram notoriamente a posição da Tijuca na escala hierárquica imaginária dos bairros. A chegada de ex-moradores do subúrbio que ascenderam socialmente à Tijuca, por exemplo, é vista como motivo de desprazer a uma das entrevistadas, que baseia tal fato na ideia de que isto fez a Tijuca "mudar". O gerente da extinta Casa Olga, por sua vez, aponta que "o bairro de classe média onde todos se conheciam, onde todos se cumprimentavam" foi a pique diante de tanta violência nas ruas. Já uma moradora do Alto da Boa Vista confessa sentir vergonha de falar que mora na Tijuca, embora, contraditoriamente, garante que a Tijuca continuava sendo "o bairro da fina flor carioca". Cabe mencionar também o certo ultraje dos tijucanos em relação à Copacabana, bairro considerado caótico e nada atrativo por muitos dos nossos conterrâneos. Percebe-se um claro desdém ao que era o maior símbolo do Rio de Janeiro naquela época, Copacabana e seu status, algo desprezado por uma Tijuca convicta e orgulhosa de seus próprios valores.

Jornal da Família, O Globo, pp. 1-2, 20 nov. 1977. 
Tijuca: de repente, a vida virou um canteiro só
Por Rose Esquenazi, Aurora Vasconcelos, Cláudia Boechat, Marlene Tavares e Heloisa Daddario (texto final). Fotos: Anibal Philot
Em matéria de qualidade de vida, a Tijuca já foi um padrão carioca. Se São Cristóvão, por abrigar a residência do Imperador, era considerado o ponto elegante da cidade, a Tijuca sobressaía pelo esplendor de sua vegetação, seu clima ameno e seu ar puro, a eleita da aristocracia. Chamberlain, cronista inglês que por aqui andou a essa época, refere-se a ela como a “Sintra Brasileira”. Na Tijuca, localizavam-se os melhores (na verdade, poucos) hotéis da Corte. Em suas luxuosas residências, chácaras e sítios eram realizados elegantes saraus, como o recital do pianista norte-americano Gotschalk, autor da famosa “Fantasia” sobre o Hino Nacional Brasileiro. Grande entusiasta da Tijuca foi a imperatriz Leopoldina, que aí coletava orquídeas para suas estufas no Paço. Historiadores e visitantes – como os missionários Kidder e Fletcher –, aristocratas, artistas e intelectuais, sem esquecer Tiradentes e José de Alencar, fartaram-se de enaltecer as virtudes e as excelências do lugar, sob todos os títulos o mais saudável e tranquilo da Corte. 
O chão e a paz golpeados por homens e máquinas
Ao lado dos transtornos causados pelas obras do metrô – congestionamentos de trânsito, poeira, barulho, perigo de acidentes -, a violência ocupa lugar de destaque entre as preocupações do tijucano, que se queixa principalmente de assaltos e agressões. Queixa que o administrador regional atribui à irritação dos moradores, mas que a polícia considera válida ao admitir um aumento da criminalidade nos últimos meses. 
I parte - Queixas: muito perigo na rua
— As obras do Metrô e a pouca iluminação são um convite para os marginais e assaltantes. Esta semana um doente mental quebrou a vitrine daqui da loja. Há pouco tempo, a mesma pessoa quebrou a vitrine de outra loja e deu com um paralelepípedo na cabeça de um mendigo. Um outro doente mental quebrou o braço de um senhor que caminhava pela Conde de Bonfim. Não adianta pedir providências porque eles prendem e soltam os doentes no dia seguinte. O Pinel diz que não tem ambulância, a Polícia Militar diz que louco não é problema dela. As moças daqui da loja vivem apavoradas.
— As vendas caíram de 30 a 40 por cento depois da chegada do Metrô. Os que trabalham à base de comissão foram os mais prejudicados. Os fregueses mais antigos é que garantem um pouco, mas a maioria das nossas freguesas antigas já está se mudando para a zona sul ou para a Muda. Moro na Tijuca há 22 anos e trabalho nessa loja o mesmo tempo. A Tijuca era um bairro de classe média onde todos se conheciam, se cumprimentavam. Antigamente, o vizinho dava bom-dia, boa tarde e boa noite. Hoje ninguém se conhece. Antigamente a gente se reunia nas portas dos edifícios para conversar. Hoje há o medo de sair de noite e quem pára para conversar está arriscado a ser assaltado. Moro na rua Barão de Itapagipe, rua movimentada e com um barulho insuportável de freadas e buzinas. Não existe mais aquela comunidade, aquele papo gostoso (Fernando Fernandes Branco, gerente da Casa Olga, filial Tijuca). 
— A Tijuca mudou muito. Ficou mais comercial e mais movimentada. Mas está muito violenta, a gente vive em sobressalto, dá até medo de andar na rua porque os assaltos ocorrem a qualquer hora. Assaltos praticados por pivetes são inúmeros. Depois do metrô ficou pior, isto aqui está até parecendo faroeste. Antigamente era muito tranquilo e agradável, podia-se andar na rua até tarde da noite sem nenhum problema. Agora é preciso muito cuidado, a qualquer hora do dia.
— O barulho e o movimento aqui no Largo da Usina são atordoantes. Nas sextas-feiras à noite é um movimento de carros e uma barulhada que vai até às 3 da madrugada. Muitas vezes as reuniões antes dos pegas são aqui no Largo e aí é um inferno. O trânsito também fica muito pesado nos fins de semana por causa do caminho da Barra. Sábado e domingo de manhã é apito de guarda, buzina, uma loucura. E também há muito movimento nas noites de calor. 
— No setor de diversões, a Tijuca ainda é muito precária. Estão acabando com todos os cinemas. Já foi o Metro, o Olinda e agora já estão falando que o Rio vai acabar também. Às vezes é preciso esperar semanas para ver um filme que estreia na Zona Sul, e muitas vezes eles nem chegam até aqui. Teatros só existem dois, mas mesmo assim o do Sesc inaugurou há pouquíssimo tempo. Restaurantes existem, alguns bons, mas o que tem mais é lanchonete. Apesar disso, gosto muito da Tijuca e para mudar para a Zona Sul só indo para o Leblon, que talvez ainda seja um pouco parecido com o que era a Tijuca antigamente (Dona Elza, moradora da Tijuca desde 1949 e na Usina há três anos).
    Com dez cinemas, 17 clubes, 15 restaurantes, três escolas de samba, 41 clínicas, ambulatórios e socorros urgentes, dez hospitais e casas de saúde, 15 igrejas católicas, nove templos protestantes, dez casas espíritas e três de outros cultos, a Tijuca não dispõe, entretanto, de uma infraestrutura de serviços, comércio e lazer suficiente para atender aos moradores do bairro e à população que se desloca do Méier, Grajaú, Engenho de Dentro, Vila Isabel à procura de serviços, diversão e comércio.
    Com a maior área verde da cidade – a Floresta da Tijuca – e inúmeros pontos turísticos, a Tijuca ainda conservava, até alguns anos atrás, em ruas silenciosas e arborizadas, o ar aristocrático, remanescente dos condes, barões e viscondes franceses que integravam a Missão Artística, convidada por d. João VI. Utilizando-se de um único caminho, chamado pelo povo de “Quebra-Cangalhas”, os franceses procuraram a floresta, entre eles os Taunay, os Escragnolle e os Beaurepaire, cuja fixação na floresta acabou por se consolidar com o casamento de seus descendentes e a ocupação de outras regiões. 
    Frequentada pela nobreza e pela imperatriz Leopoldina, que por ali passeava à procura de orquídeas raras, a Floresta da Tijuca hoje é um dos locais mais procurados pela população da zona norte e subúrbios, nos fins de semana. A Estrada das Furnas, no Alto da Boa Vista, aos sábados e domingos está permanentemente engarrafada. Mas os congestionamentos já se tornaram uma constante na vida do tijucano. Para Adilson Lopes, da Assessoria de Comunicação Social do Detran, o trânsito do Rio de Janeiro está cada dia mais complicado, principalmente na Tijuca. 
    — O Metrô tem causado problemas e tumulto mas no futuro contribuirá para diminuir o número de veículos que trafegam diariamente pela cidade. Com o Metrô, o Detran foi obrigado a mexer em todo o trânsito da área. Mas o grande problema da Tijuca é que existe uma saturação das vias existentes. Desta maneira, todas as artérias estão sendo utilizadas em sua capacidade máxima. Para solucionar os problemas de engarrafamento seria necessário abrirmos novas ruas, mas isto é quase impossível, por ser uma região montanhosa. Nós proibimos o estacionamento em algumas ruas e acabamos com alguns retornos para que o tráfego possa fluir mais rapidamente. Nos fins de semana pretendemos desviar o tráfego para a Estrada das Furnas, que foi sinalizada e receberá o fluxo de veículos que se desloca para a Barra da Tijuca e Recreio dos Bandeirantes.
    — Nos fins de semana – diz um morador – é praticamente impossível sair de casa. Se o trânsito já é infernal por causa do Metrô, aos sábados e domingos ele se transforma em uma verdadeira loucura coletiva. Todo mundo quer ir à praia ou passear na Floresta. Os engarrafamentos irritam os motoristas, os automóveis se chocam, surgem as brigas. Leva-se horas até a praia, debaixo do maior calor.

II Parte – Obra: do sonho ao pesadelo
    Há um ano e meio, quando o Detran anunciava as alterações do tráfego, o clima era de festa na Tijuca. Na praça Saens Peña, uma exposição e refrigerantes para os estudantes marcaram o início das obras. Com a interdição da rua Conde de Bonfim, começaram a aparecer as bicicletas, os skates e os times de futebol. E em cada uma das seis esquinas da Conde de Bonfim interditadas pelo Detran, jovens e crianças auxiliavam os guardas na colocação de cavaletes, liberando a passagem apenas para os moradores.
    Mas a festa durou pouco. Com a interdição das ruas Heitor Beltrão e Doutor Satamini – juntamente com a Conde de Bonfim, principais vias de acesso do bairro, com o regime de mão dupla em outras 20 ruas, de mão única em duas, invertidas em 13 e alternados os itinerários de 34 linhas de ônibus, o tráfego ficou seriamente prejudicado. 
    Em um bairro pelo qual circulam diariamente 1.754 ônibus, distribuídos por 56 linhas – das quais somente 26 na praça Saens Peña, as alterações do tráfego, como não poderia deixar de ser, acabaram por afetar totalmente a vida de seus moradores. Mas o congestionamento do tráfego é apenas um dos aspectos da grande mudança ocorrida na Tijuca após o metrô. 
    Já no início, o então Secretário de Transportes, Josef Barata, previa a espécie de pesadelo que os tijucanos seriam obrigados a enfrentar:
    — Não se trata de falar de antes ou do depois – dizia ele – mas do presente, do agora, do barulho, do engarrafamento, das demolições, da perda de tempo e paciência. 
    E tudo isto de fato ocorreu. Hoje, o tijucano tem uma opinião dividida em relação ao Metrô. Ele acredita na melhoria do tráfego em um futuro que deseja o mais próximo possível, mas não se contém diante dos transtornos e reclama: da poeira, do barulho, do tráfego, da dificuldade de ir às compras, da perda da tranquilidade. Os moradores da Usina, por exemplo, enfrentam também um grave problema de condução. Os 408 ônibus que trafegavam pela rua Andrade Neves foram reduzidos para 205. Os que moravam em ruas tranquilas e exclusivamente residenciais passaram a conviver com buzinas, carros estacionados nas calçadas, pontos de ônibus e o tráfego pesado durante as madrugadas.
    — Mas nós temos uma boa notícia para os moradores do bairro. Antes do fim do ano serão liberadas as calçadas da rua Pinto de Figueiredo até a Almirante Cochrane, e o tijucano poderá andar mais livremente para fazer suas compras.
    — A previsão das obras era de 30 meses, mas parece que vai se estender bastante. Logo no início houve uma queda das vendas muito grande mas aos poucos o público foi se acostumando e aceitando as obras. Muitos comerciantes, cerca de 30, perderam definitivamente seus estabelecimentos. Outros estão se aguentando sem fazer grandes negócios – diz o presidente da Associação Comercial. — Eu mesmo sou sócio de um estabelecimento comercial que está sofrendo o problema da entrega. Várias firmas se recusam a entregar mercadorias, pois já não podem estacionar os caminhões. 
    Para os moradores, a pergunta é uma só: até quando durará o pesadelo? Leandro Petronilho Gomes afirma que há um prazo previsto, que deverá ser cumprido “caso tudo corra bem”. Mas os transtornos causados pelas obras não se limitam à praça Saens Peña nem dependem exclusivamente do Metrô. A Light e a Companhia de Gás também abrem buracos por todo o bairro para a melhoria dos serviços. Grandes edifícios estendem seus tapumes pelas calçadas. E desta forma o bairro residencial e arborizado está cheio de operários, barracas de lona, montes de terra, pedras, poeira, fios e tabuletas com pedidos de desculpas pelo transtorno: “Estamos trabalhando para o seu bem estar”.
    Se a justificativa pode parecer uma provocação para o tijucano, este não perde totalmente o bom humor e já apelidou a praça Saens Peña de “Praça Faz Pena”; a Conde de Bonfim virou “rua do Fim do Conde”. 
    Apesar do tumulto, do risco de andar pelo meio da rua, do calor, das desapropriações, da poeira e do barulho, a vida do bairro continua. Se não há espaço, todos se apertam um pouquinho para dar passagem ao carrinho de bebê. Se há lama, capricha-se no pulo para não sujar os saltos do sapato. Se a praça acabou, o fotógrafo aproveita os tapumes como “estúdio”. E há ainda quem goste de toda a confusão:
    — Moro há 20 anos no bairro e acho que o progresso não afetou em nada a vida do bairro. O crescimento só trouxe benefícios e a Tijuca se tornou um centro e tanto. Acho tudo muito positivo. O Metrô no futuro será muito bom. É a evolução dos tempos — diz Armando Augusto, diretor da Casa dos Poveiros, um dos vários clubes portugueses existentes na Tijuca. 
    São os comerciantes, entretanto, os que mais reclamam da situação. A praça Saens Peña, que reunia o comércio elegante do bairro, as lanchonetes e sorveterias, cinemas, pontos de ônibus e grandes lojas está transformada em um único e imenso canteiro de obras. E com a destruição da praça, o tijucano perdeu um ponto de referência importante para a vida do bairro. 
    — É preciso que o tijucano saiba que será beneficiado por uma nova avenida de acesso, que partirá da Haddock Lobo – justifica-se o vice-presidente da Companhia do Metropolitano, professor Barroso. 
    Os moradores reclamam do barulho e da poeira, mas o vice-presidente do Metrô pede compreensão e anuncia novas medidas.
    — Em relação ao barulho, é preciso que entendem que a concretagem, uma vez iniciada, não pode ser interrompida, por causa da segurança dos prédios, principalmente os mais antigos. O barulho deve melhorar e o Metrô tem tido muito cuidado com a segurança dos moradores. 
    — Os problemas aqui são mais diversos, começando pelo Metrô – diz Holmes Vieira Martins, presidente da Associação Comercial e Industrial da Tijuca. — Estamos esperando que sejam construídas as passarelas diante das lojas da rua Conde de Bonfim, atualmente em estado precário. Constantemente as pessoas caem, se machucam, quebram os saltos dos sapatos e rasgam a roupa.
    Diante dos incidentes, o diretor de Engenharia Leandro Petronilho Gomes também pede compreensão. Ele diz que a Companhia já iniciou os estudos para um convênio com a Comlurb, o que contribuirá para diminuir a sujeira e a poeira provocadas pelas obras.

III Parte – Lembranças: um bairro de paz
— Quando me perguntavam onde morava, respondia de boca cheia: na Tijuca. Hoje a gente diz baixinho, morrendo de vergonha, para ninguém ouvir. Moro aqui há 41 anos. Isso já foi Tijuca. Hoje são tantos os problemas... o barulho é infernal e ninguém respeita horário. O pessoal do metrô chega a trabalhar até 11 e 30 da noite. A condução está um caos. A gente já pega os ônibus lotados na praça Saens Peña. Ir ao cinema à noite é querer arriscar a vida. Os pungistas atacam a qualquer hora, na rua ou dentro da loja. Temos que andar com a bolsa agarrada no peito. Isso aqui era uma tranquilidade, ninguém se preocupava, parecia uma cidade do interior. Todos se conheciam. A Tijuca foi destruída, estamos largados (Wilma S., moradora na Avenida Edson Passos). 
    A Tijuca dos velhos casarões e ruas arborizadas, de famílias aristocráticas e muita tranquilidade, de vizinhos que conversavam nas calçadas e de passeios pela praça Saens Peña não existe mais. E hoje esta imagem do bairro é apenas uma lembrança para os moradores mais apaixonados, que apesar de todas as mudanças fazem questão de afirmar:
    — É o bairro da fina flor carioca. 
    O crescimento urbano afetou a vida da Tijuca e o bairrismo de seus moradores. Primeiro foram os túneis – Santa Bárbara e Rebouças -, estabelecendo uma ligação mais do que geográfica entre a zona norte e a zona sul. Com Rebouças, principalmente, descobriu-se que morar na Tijuca era um privilégio. Bairro residencial, comércio próspero e a 15 minutos de Ipanema e Leblon. Edifícios substituíram os velhos casarões, a população cresceu, e o bairro foi perdendo suas características.
    — A Tijuca era uma grande fazenda, uma província – diz uma moradora. — Antes todos se conheciam, agora parece até Copacabana. 
    O comércio ficou mais caro, os aluguéis subiram, o número de carros aumentou e foram surgindo os mesmos problemas que gradativamente afetaram a qualidade de vida no Rio de Janeiro: poluição visual e sonora, tráfego engarrafado, obras, aumento da criminalidade, falta de estacionamento, transportes coletivos insuficientes. O início das obras do metrô afetou definitivamente a tranquilidade do tijucano. Para uma população de cerca de 250 mil pessoas, com uma das rendas per capita mais altas da cidade, os constantes engarrafamentos, a poeira, o barulho, a inversão de mão nas ruas, a diminuição das linhas de ônibus e a dificuldade de andar sobre buracos e tapumes foram decisivos para que a Tijuca perdesse todas as características de bairro residencial. 
    — Sempre morei na Tijuca, até 1972, quando casei. E nunca pensei em continuar morando lá. A Tijuca se transformou muito. Hoje verifico que quando era menina o poder aquisitivo dos moradores era alto, sem nenhuma diferença para a zona sul. Hoje existe uma invasão do pessoal do subúrbio, que ascendeu um pouco economicamente e que tem como objetivo na vida morar na Tijuca. Não moro mais lá mas meus pais continuam morando.
    — A Tijuca de hoje não tem nada a ver com a Tijuca em que morei. Ela era arborizada, hoje não existem mais árvores, está tudo árido. Era um bairro tranquilo, hoje é uma violência só. Adquiriu todos os defeitos de um bairro de grande cidade sem ter mudado de mentalidade, que ficou atrasada. Basta dizer que no edifício de minha mãe ainda existe a preocupação do “o que é que os vizinhos vão dizer...” (Ana Lúcia Boiteux, 23 anos, moradora do Jardim Botânico). 
    — Acho a Tijuca um bairro maravilhoso. Moro na Barão de Mesquita, perto do quartel, e por isto não posso me queixar de segurança. As obras do metrô não afetam a minha área mas não resto do bairro os problemas são constantes. A Tijuca tem sofrido muitas transformações e piorou em certos aspectos — aumento do barulho, obras, trânsito engarrafado. Uma coisa que tem melhorado é o comércio. Está aumentando, novas lojas estão sendo inauguradas. Não é mais preciso ir à zona sul para fazer compras. O comércio local satisfaz plenamente. 
    — O que acho muito deficiente é o setor de diversões e lazer (Ila, 28 anos, moradora da Tijuca há cinco, antiga moradora do Engenho de Dentro).

IV Parte – Labirintos da criminalidade
    
Nos últimos meses, os assaltos têm sido constantes. As lojas fecham cedo, ninguém ficava conversando na porta de casa, todos andam assustados quando começa a escurecer. A violência está aumentando na Tijuca, a ponto de a rua dos Araújos, por exemplo, onde os assaltos ocorrem a todo instante, ser definida desta maneira por um morador:
    — Quem disser que nunca foi assaltado aqui, ou se mudou ontem ou está mentindo.
    O administrador regional do bairro, Luiz Gonzaga Abreu Jorge, entretanto, não concorda:
    — Não acho que esteja havendo muito assalto. A população anda irritada por causa do metrô e qualquer assalto – coisa menor em qualquer bairro – se torna um problema aqui.
    Segundo as estatísticas da Polícia Militar, o 6º Batalhão, que atende à região da Tijuca, Andaraí, Vila Isabel e Maracanã, registrou 427 ocorrências no mês de agosto, 411 em setembro e 548 em outubro. Essas ocorrências vão desde os acidentes de trânsito com ou sem vítima, às agressões, arrombamentos, assaltos, condução de presos e doentes mentais e as chamadas “ocorrências diversas”. Se estes dados forem comparados com os obtidos no 14º Batalhão, que atende à região onde a criminalidade atinge os maiores índices – é a área que vai da Leopoldina à Avenida Brasil -, chega-se à conclusão de que a Tijuca não é só um bairro irritado com as obras do metrô, como pretende o administrador regional.  
   No mês de agosto, a região da Leopoldina e Avenida Brasil registrou 742 ocorrências; em setembro, 788, e em outubro, 884. Comparando os índices com Copacabana, por exemplo, onde os assaltos, furtos e agressões são constantes, percebe-se que a violência na Tijuca aumenta dia a dia. Em agosto, o 19º Batalhão, de Copacabana, registrou 536 ocorrências; em setembro, 481, e em outubro, 648.
    O chefe de Relações Públicas da Polícia Militar, coronel Delamare, acha que a violência existe na cidade, pois a população vive um clima de insatisfação e agressão generalizada:
    — Ninguém respeita os direitos do outro, faz-se o que quer a hora que se tem vontade, qualquer coisa gera agressão. O sujeito sai da praia e atira areia no carro do outro. O que tem moto resolve fazer barulho debaixo da janela de madrugada. Qualquer batida de carro se transforma em briga. 
    Quanto à violência na Tijuca, o coronel Delamare cita os seis morros existentes no bairro – Borel, Liberdade, Formiga, Turano, Macaco e Salgueiro – como responsáveis, em parte, pelo número de assaltos. E os tapumes do metrô:
    — O morro antigamente era tranquilo. Havia poucos marginais, e quando estes eram presos tudo ficava em paz. Hoje o morro é uma insatisfação só. Além disso, os tapumes, buracos e labirintos causados pelas obras do Metrô são um convite aos marginais, que se utilizam deles para praticar os assaltos e se esconder. 
    Mesmo pagando um preço muito elevado pelo progresso, e apesar da perda momentânea da tranquilidade, todos esperam pelo tempo melhor que virá.
   
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