30 de mar. de 2014

A riqueza do lado de cá do Rebouças

O Globo, de outubro de 1993, fala sobre os hábitos sofisticados dos tijucanos cujo bairro de moradia
era a maior renda per capita do município

É muito curioso observar como o prestígio de um determinado bairro pode estar muito associado ao nível de renda de seus moradores. Quanto mais alto, mais admiração e notoriedade se lhe oferece, sobretudo por parte da imprensa e dos veículos de comunicação. Por outro lado, sabemos bem que essas questões econômicas e simbólicas podem ser bastante efêmeras. Se no início do século XX era a Rua do Ouvidor o grande “barato” da cidade, hoje é o Leblon com seus apartamentos milionários e estilo de vida fetichizado a bola da vez. Mas há 20 anos, por exemplo, a Tijuca, mesmo que nunca tenha sido um bairro midiático, é quem aparecia no “topo” das maiores arrecadações de impostos do município, sendo sua região estimada, aliás, como uma das maiores renda per capita do Brasil.

Foi com base nesse panorama de estabilidade financeira tão característica do bairro que o Shopping Iguatemi, precursor dos shopping centers de luxo no país, resolveu abrir suas portas no antigo campo do America Football Club, na esquina da Rua Teodoro da Silva com Rua Barão de São Francisco, em Vila Isabel, no ano de 1996. O Iguatemi, vale ressaltar, foi o primeiro shopping da Grande Tijuca e, não à toa, experimentou certo êxito nos seus primeiros anos ao oferecer ao consumidor da região da Tijuca um sem-fim de grifes nacionais e internacionais num espaço cômodo, refrigerado e livre de “violência”. A Praça Saenz Peña, principal reduto comercial até então, vinha sofrendo constantes ataques de assaltantes e arrastões.

Fachada do extinto Iguatemi Rio, em Vila Isabel
Entretanto, o Iguatemi parece ter chegado um pouco tarde demais à Grande Tijuca, pois, se sua intenção era aproveitar-se do alto poder aquisitivo dos tijucanos e vizinhos, estes mesmos tijucanos, de famílias mais endinheiradas, foram deixando o bairro, aos bandos, durante os violentos anos de 1990, precisamente quando o Iguatemi aportou na Vila. Como bem se sabe, houve um expressivo êxodo rumo à Barra da Tijuca e a alguns bairros da Zona Sul. A Tijuca entrou os anos 2000, então, já sem o pomposo status de maior renda per capita da cidade, tão referenciado por essa reportagem coletada do caderno "Tijuca", do Jornal O Globo de 1993, falando sobre “as pessoas sofisticadas da Tijuca”, que vocês poderão ler mais lá para baixo.

O Iguatemi, por sua vez, entrou em decadência devido à ausência do público-alvo almejado e à proximidade com o Morro dos Macacos, bastante violento especialmente naquela época. Com isso, veio modificando seu mix de negócios gradativamente até retirar-se do mercado carioca por completo, transformando-se em Boulevard Rio. A concorrência com o Shopping Tijuca, inaugurado no final de 1996, também pesou muito na balança já que a redução do poder de compra parece ter sido mais acentuada em Vila Isabel do que na Tijuca.

Mas voltando à reportagem de O Globo, encontrada graças ao ótimo acervo online do jornal, é interessante apontar como a repórter Andréa Magalhães procura transmitir uma ideia de prosperidade entre os tijucanos que, vista distanciadamente, soa um pouco caricata para os dias de hoje. Nos anos de 1990, a ostentação ao luxo e suas respectivas simbologias não eram qualificados tão pejorativamente como em 2014, ano em que este texto foi escrito. A classe média não tinha receio de dizer o que pensava e muito menos de transparecer a sua tão sonhada vocação para ser parte da classe dominante, tampouco em exibir seu "bom gosto". A separação das classes sociais e dos hábitos "sofisticados" dos "populares" fica muito em evidência, especialmente quando se fala do valor que se tem vinculado no esporte elitizado que é o tênis (carro-chefe até hoje do Tijuca Tênis Clube) e na ênfase que se dá ao fato de que morar "bem" na Grande Tijuca era só para quem tinha "muito dinheiro". 

Em virtude desse cenário, não fica difícil, então, entender por que o status da Grande Tijuca sofreu tanto com a violência e favelização naquela época. Afinal, em qualquer grande cidade, a "pobreza" está sempre à espreita da "riqueza", em suas margens. No fim de contas, o prestígio acabou por descer o Alto da Boa Vista rumo à Barra da Tijuca, consagrando a Tijuca, desde então, como um bairro exclusivamente de classe média e, por vezes, decadente. Nem preciso dizer que nos anos 2000 a Tijuca foi pauta de reportagens com teores bem menos afáveis do que esta de 1993, não é mesmo?

Nas estatísticas de 1993, a região da Tijuca ultrapassa em renda a Zona Sul


O Globo, 19/10/1993.
A riqueza do lado de cá do Rebouças
Temperada pelos hábitos sofisticados de muitos moradores, a Tijuca tem a maior arrecadação de ICMS do Rio e uma das mais altas rendas per capita do país

Por Andréa Magalhães

Do lado de cá do túnel também há grandes fortunas. Dados recentes da Secretaria Estadual de Fazenda, do IBGE e do IplanRio apontam a Tijuca como o bairro que mais arrecada ICMS no Rio e como uma das áreas de maior renda per capita do país. Mais de 20% das famílias residentes têm rendimento médio mensal superior a 20 salários mínimos. 
Diante de contas bancárias recheadas, o comércio consegue lucros significativos. A rede McDonald’s, por exemplo, inaugurou sua loja em abril e, atualmente, é a que mais vende no Rio. Os comerciários asseguram que os moradores são compradores em potencial, mas sempre muito exigentes quanto aos produtos e ao atendimento. 
José Antônio Grabowsky, diretor da Icatu Empreendimentos Imobiliários, empresa envolvida na construção do Shopping Iguatemi-Rio, no terreno do estádio do América Football Club, diz que a Grande Tijuca – Andaraí, Vila Isabel, Grajaú, Maracanã, Usina, Muda, Alto da Boa Vista, Praça da Bandeira e Tijuca – registra um dos maiores índices de consumo do país: 
— Contando com as regiões ao redor, o que soma 20 bairros, são 380 mil residências, 1,4 milhão de consumidores e uma renda per capital média igual à de Ipanema, da Lagoa, do Jardim Botânico, da Gávea e do Leblon. 
Para Marcos Arêas Ferreira, gerente-geral de marketing da NET, a Tijuca é uma forte candidata a ser o segundo bairro do Rio a receber a TV a cabo. 
Algumas famílias tijucanas e de bairros vizinhos recebem e frequentam a high society carioca e garantem que não lhes falta know-how e familiaridade com este universo. Segundo Lena Grumbach, diretora comercial da Gorgeous, a tijucana das classes A e B alta, independentemente de sua idade, é uma consumidora exigente e que quer estar sempre bem vestida em eventos sociais. Lena diz isso respaldada em sua experiência profissional e também nas lembranças de quando morou no bairro:
— A tijucana tende a optar pelos modelos mais clássicos e adora crepes, tafetás, chamois e roupas bordadas. Apesar de tender ao conservador e tradicional, não gosta de usar tons pastéis em festas, porque tais cores não chamam atenção. Vestidos pink, azul royal e púrpura saem muito. Também vendemos saias longas, spencers e peles de coelho com facilidade. E, atualmente, muitos vestidos longos.
Edly Saraiva não esconde que, quando vai à loja, pensa em comprar algo que a deixe “maravilhosa”:
— Para mim, é fundamental me sentir bonita e produzida para um evento.
Fazer a cabeça dos moradores classes A e B alta da Grande Tijuca não é fácil. Exigentes, eles prezam cortes e penteados adaptados ao seu estilo e padrão de vida. E, no geral, como afirmam os grandes coiffeurs da área, não se deixam seduzir por modismos.
Segundo o italiano Stefano Sangalli, diretor de franquia no Brasil da marca Jean Louis David, os clientes da Tijuca e bairros vizinhos são pessoas de bom gosto:
— No nosso recém-inaugurado salão, no Unishopping, na Universidade Estácio de Sá, alguns comentam que já tinham ido em franquias no exterior. Já percebi que gostam de se sentir como reis e rainhas.
Vera Lúcia Mosconi passou dois meses em Paris, treinando a técnica Jean Louis David com o próprio. Ela comenta que suas clientes são tão exigentes quanto as européias.
— Da recepção ao resultado final do corte ou penteado, tudo tem que ser 100%. A maioria preza serviços rápidos, e, para isso, nossa técnica exclusiva é perfeita.
Para a cliente Teresa Cristina Rodrigues, um bom corte é essencial:
— Preciso de um corte prático, perfeito para a vida profissional, e que, com um toque especial, esteja ótimo para um evento social.
Varandão e muito espaço nos imóveis 
Morar bem na área da Grande Tijuca não é difícil, desde que se tenha muito dinheiro. As construtoras lutam por terrenos nas ruas nobres: Dezoito de Outubro, Garibaldi e Itacuruçá, principalmente. Nelas, apartamentos de três ou quatro quartos são mais caros que seus equivalentes na Barra da Tijuca ou na Gávea.
Segundo Sérgio Magalhães, gerente comercial da Encol, as classes A e B alta da região não dispensam grandes varandas, salas amplas e dependências de empregada. Além disso, exigem dispositivos de segurança no prédio, áreas de lazer e duas ou três vagas na garagem. Nas fachadas, o granito faz sucesso:
— Tenho um amigo que diz que o tijucano é como o morador dos Jardins, em São Paulo. Os que têm mais dinheiro são muito exigentes quanto à sua moradia.
Sérgio informa que, nos 12 anos da Encol no Rio, a Tijuca sempre foi o bairro com menor índice de inadimplência. Daí, ele afirmar ser o tijucano seu melhor comprador.
Ele informa que, na Tijuca, apartamentos de três e quatro quartos custam, respectivamente, US$ 75 e 98 mil (cerca de CR$ 9,3 e CR$ 12,15 milhões). Na Barra, tais valores caem para US$ 70 e 92 mil (cerca de CR$ 8,68 e 11,4 milhões):
— Na Tijuca, vendemos 20 apartamentos de luxo em dois meses. Na Zona Sul, em três.Para mobiliar tais imóveis, muitos não dispensam criações de designers europeus. Na Ligne Roset, próxima à Saens Peña, Francisco Barbosa e Rosilda Araújo informam que todos os móveis têm modelos criados na França.

Vida ganha, é hora de jogar tênis
De raquete em punho, eles começam a chegar ao Tijuca Tênis Clube (TTC) às 6h. pressa não existe, porque a vida já está ganha. A maioria já passou dos 40, admite que pertence às classes B alta ou A, e acha o tênis um esporte sofisticado, elitizado e caro.
— Para jogar tênis, é preciso ter dinheiro. Um jogador de competição deve ter, no mínimo, três raquetes, já que, durante as partidas, é normal que elas sejam danificadas. Cada raquete americana fica em torno de US$ 150 (aproximadamente CR$ 18,6 mil). Se uma corda arrebenta, a troca do material fica por cerca de US$ 10 (CR$ 1,24 mil). Para muitos tenistas, tal troca ocorre a cada dois jogos – conta Hélcio Ferreira, vice-presidente de tênis do clube. 
Hélcio acrescenta que a manutenção das oito quadras de saibro também é cara. A cada três anos, elas têm que ser reconstituídas: tira-se a terra, troca-se o saibro, refaz-se a drenagem e troca-se as linhas de marcação. Isso tudo não sai por menos de US$ 1 mil (cerca de CR$ 124 mil), por quadra:
— O tênis é um esporte de elite. Por ter custos altos, precisa muito de patrocínio.
Enquanto isso, o advogado Arthur Favilla comenta que seus companheiros de partida são juízes, empresários e militares reformados:
— São pessoas mais afortunadas. Costumamos conversar sobre o esporte – que exige muita coordenação motora e bons reflexos –, política e economia.
O cônsul de Cabo Verde no Brasil, Aníbal Waldemar Chantre Oliveira, morador do bairro, diz que em seu país o esporte não é elitizado.

Sem medo de ser milionário
À boca pequena, comenta-se que os tijucanos não gostam de falar a respeito do dinheiro que têm. E há quem brinque dizendo que, às vésperas de um cruzeiro para a Europa, são capazes de falar em dificuldades financeiras.
Aos 52 anos, Álvaro Barros Moreira, o “Álvaro da Camélia”, é uma exceção. Considerado o grande comerciante do Mercado das Flores, no Centro, o tijucano gosta de falar e até de mostrar suas duas Mercedes e jóias. Ele também não deixa de mencionar que sua mansão, numa rua sem saída e com segurança particular, no Alto da Boa Vista, tem quatro andares e 13 banheiros:
— Quem costuma vir aqui é Roberto Dinamite. Ele gosta do meu campo de futebol e da quadra. Artur Sendas é meu vizinho e companheiro de sueca, junto com o publicitário Cleverson Valadão. Artur sempre perde.
Cercado por vizinhos importantes – outro é Manoel Fontes, dono da cadeia de supermercados Três Poderes –, Álvaro diz que a Tijuca é um bairro nobre:
— No que se refere a famílias importantes, o bairro não podia ser mais nobre. Há muitas pessoas ricas. No meu caso, tudo o que consegui foi à custa de muito trabalho. Tive uma infância muito pobre e cedo aprendi a valorizar o trabalho. Até hoje, minha rotina profissional vai das 6h às 19h.

27 de mar. de 2014

Arquitetos e urbanistas da UFRJ a favor da Praça Saens Peña

A maquete "tijucana" reproduz fielmente
as ruas e o entorno da Praça
E foi dada a largada para a elaboração dos projetos de renovação da Praça Saens Peña! Desde o início do semestre, alunos da faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ (FAU/UFRJ) têm se empenhado nas atividades da disciplina Atelier Integrado II, que, para o período letivo em questão, está focalizando a complexidade urbanística da Saens Peña como objeto de estudo.

A história da praça, suas sociabilidades, dinâmica, paisagem etc. estão sendo meticulosamente mapeados pelos alunos que, em grupos e ao final do curso, apresentarão seus projetos de requalificação urbana sob a supervisão dos professores Victor Andrade, Sônia Hilf, Ivete Farah e Naylor Vilas Boas. Além disso, o Atelier Integrado II está sendo realizado em parceria com a Associação Comercial e Industrial da Tijuca (ACIT), que, por sua vez, tem colaborado com a universidade por intermédio de passeios técnicos, sugestões e “consultoria tijucana”.

A segunda rodada de apresentações, fechada ao ambiente acadêmico e a alguns convidados, aconteceu nesta última terça-feira (25/03). Pela minha amizade com a ACIT, tive a oportunidade privilegiada de participar dos seminários e, ainda assim, opinar sobre os trabalhos, todos muito bacanas e ricos em detalhes.

Chamou a nossa atenção o fato de que os alunos e professores não pensam a renovação da Praça Saens Peña apenas em seus recortes físicos. Em outras palavras, eles não vêem o local a ser estudado apenas dentro do seu perímetro espacial, mas sim como algo que “extrapola” fronteiras, sobretudo porque a Saens Peña tem ruas, vias e regiões adjacentes que, de certa forma, dialogam e se dinamizam graças a essa irradiação emanada pela praça, uma das grandes centralidades da cidade do Rio de Janeiro.

A apresentação de um dos grupos de alunos do Ateliê Integrado II, da FAU/UFRJ

Ou seja, isso significa que foi discutido muito sobre o status quo de ruas caóticas e degradadas como a General Roca e Almirante Cóchrane, sobre a subutilização da Avenida Heitor Beltrão, cujos terrenos do metrô não foram ocupados até hoje, e sobre o desperdício da Pedra da Babilônia enquanto acidente geográfico com grande potencial estético, mas pouco valorizado na paisagem urbana da Tijuca.

Não cabe a mim, este passeador, contar-lhes sobre o conteúdo detalhado destes projetos, até porque não tivemos acesso a eles, sem falar também que são atividades acadêmicas e que, por ora, estão sendo desenvolvidas junto aos professores apenas.

Estamos na expectativa de que por volta de junho tais projetos possam ser expostos ainda em local a combinar, aqui na Tijuca mesmo, junto à primorosa maquete produzida pelos alunos. Depois disso, esperamos contar com o apoio da Prefeitura e do empresariado para que a ideia possa ser colocada em prática e, deste modo, avançarmos mais uma etapa nessa missão cidadã de trazer de volta um pouco mais de vida e conforto a esse belo espaço público que é a Praça Saens Peña e o seu entorno.

25 de mar. de 2014

O Tijucano, caso de paixão radical

Reprodução da reportagem de 1990
Em março de 1990, o Segundo Caderno do Jornal O Globo publicou uma reportagem sobre o jeito de ser do tijucano, figurinha carimbada e pra lá de peculiar no imaginário carioca. A peculiaridade é tanta, aliás, que o tijucano chega a ser, por vezes, uma das 20 coisas mais irritantes que existem no Rio, conforme apontou o blog Diário do Rio em 2013, em tom de brincadeirinha. Maldade. Seja positiva, seja negativa, a nossa fama incide sempre sobre um mesmo aspecto: o do bairrismo. Tijucano só é tijucano porque é bairrista, amamos o bairro acima de qualquer coisa, mesmo que, às vezes, tenhamos de criticá-lo e desqualificá-lo para logo em seguida, após um ataque súbito de racionalidade, voltar à emoção da coisa e afirmar, balançado: “É, fora todos os problemas, a Tijuca é mesmo muito boa para se morar!”.

A reportagem “Caso de paixão radical”, assinada pela repórter Cláudia Belém, disserta sobre o comportamento e o perfil do tijucano no início dos anos de 1990, quando o nosso bairrismo devia ser ainda mais forte do que hoje dada a quantidade de tradições significativas que seguiam preservadas naquela época. Ao entrevistar tijucanos ilustres, como alguns atores da TV Globo residentes no bairro, a matéria comentava sobre as preferências do tijucano-médio em consumo e na política – como, por exemplo, a afeição dos moradores pelo Bob’s em detrimento do McDonald’s e a predisposição a sempre votar em quem está na oposição, como no caso de Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições de 1989. O preconceito e as pechas associadas à Tijuca na ótica de quem vivia na Zona Sul também foi colocada nesse texto.

Leia a matéria na íntegra:

O Globo, 13/03/1990. 
Caso de paixão radical
Bairrista assumido, o tijucano dribla as piadas maldosas e se orgulha de morar na Zona Norte chique. 
Por Cláudia Belém 
Um bravo cavaleiro tentou cruzar a montanha, mas encontrou no seu caminho um túnel que, para deixá-lo passar, exigiu a solução de um enigma. Da boca do túnel saiu a seguinte frase: qual o ser que de manhã toma sorvete no Palheta da Praça Saens Peña, de tarde namora no Alto da Boa Vista e à noite foge para a Barra? Sem a possibilidade de erro, o bravo cavaleiro respondeu de uma só vez: 
— O tijucano.

Qual o outro carioca que é qualificado pelo bairro que mora, com direito a apelido, nome e sobrenome? Quem não ouviu um amigo pedir a outro, tijucano, o passaporte para atravessar o Túnel Rebouças? Quem é mais bairrista, defensor de seu território, com intimidade suficiente para chamar a Praça Saens Peña só de Praça, a Barra da Tijuca de minha praia e o trailer Via Onze de meu cachorro quente? Resposta certa: o tijucano.

Por isto foi fácil ao bravo cavaleiro solucionar o enigma proposto pelo túnel, tal como Édipo na lenda grega em que também é obrigado a decifrar um enigma elaborado pela esfinge para entrar na cidade sitiada onde estavam seus pais. Quando criança, o tijucano passeia na Praça Saens Peña, adora o sorvete do Palheta e do Pinóquio e os sanduíche do Bob’s, que ele não trai por nenhum McDonald’s. adolescente, ele sobe ao Alto da Boa Vista para namorar. Adulto, frequenta os teatros da Zona Sul e sonha em morar na Barra, da Tijuca. 
Todo carioca da gema sabe disso. Mas Miguel Falabella, criado na Ilha do Governador, atravessou o Túnel Rebouças, sem passaporte, e levou, pela primeira vez, este estereótipo para o palco, através de uma personagem tijucana, interpretada por Natália do Valle na peça “A Partilha”, em cartaz no Teatro Cândido Mendes e, a partir de abril, no Vanucci.
Selma, a tijucana, tem três irmãs, uma jornalista, uma esotérica e outra que vive às custas do marido em Paris. Unidas para divisão dos bens da mãe, após a sua morte, as quatro se degladiam na partilha das culpas e desejos que uma depositou na outra. Apesar do forte tom emocional, o texto de Falabella arranca boas gargalhadas do público, pelas quais Selma é uma das grandes responsáveis, quando defende bravamente a “sua” Tijuca das pilhérias das irmãs.
— Eu nunca morei na Tijuca mas acho que ser tijucano é como ser flamenguista. Tem uma torcida muito forte — acredita Natália.

O compositor Aldir Blanc, morador convicto do bairro, acredita que o tijucano ama tanto a Tijuca que nada o faz sair de lá. O tijucano é mesmo um apaixonado radical. Mas, depois de descoberta a Zona Sul, o tijucano tem duas opções. Ou fica no bairro e assume sua posição de Zona Norte chique, ou se rende à tentação e se muda para o lado de lá do túnel. O ator Pedro Paulo Rangel, que vive no Rio Comprido desde os 11 anos, resistiu e continua firme e forte no bairro, apesar de hoje pouco frequentar os points do bairro. 
— Com o trabalho e as novas amizades, a gente vai mudando. Hoje, eu passo pela Tijuca e sempre vejo alguma coisa nova, que não tinha na minha época. Afinal, eu tenho um referencial antigo do bairro porque passeei a minha adolescência lá, em bailes do América, aprendendo a tocar acordeon na casa da professora perto da Praça Afonso Pena ou estudando no Instituto Laffayete. A Lúcia Alves e a Tânia Fayal eram da minha turma. 
O ator conta que gostava de frequentar dois cinemas “poeiras”, fechados já há muitos anos:
— Um deles era o Olympia, muito grande, com três andares, e o Sky, que era pequenininho e ficava em uma galeria. Eu ainda peguei o tempo em que a Avenida Paulo de Frontin não tinha o viaduto e era linda, com os lados do canal gramados. Eu adorava ir ao Café Palheta. Era chique. E lembro que a gente ia a um bar na Haddock Lobo para fumar cigarro, que na época era o Capri. E tinha o Metro, com aquele cheiro de ar de montanha que saía do ar condicionado — lembra o ator, saudosista.
Uma questão de fuso-horário
A devoção pelo bairro é uma característica que não escolhe idade. A atriz Flávia Monteiro, de 17 anos, por exemplo, diz que só sairia da Tijuca para morar em um superapartamento na Lagoa com vista ampla e em andar alto. Enquanto a oportunidade não aparece, ela curte as amizades feitas durante os três anos em que estudou no Colégio São José, quando, depois das aulas, saía para fofocar e comer cachorro-quente no Bob’s Drive Thru, ao lado do Tijuca Off Shopping:
— O grande programa nas tardes vazias é passear na Praça Saens Peña.
Mas este programa tijucano vai perdendo a graça a partir do momento em que a adolescente entra na fase adulta. O que está ocorrendo com Flávia. Agora, ela enfrenta as dificuldades de se locomover para a Zona Sul. Sem carona dos amigos, que vivem no lado “chique” da cidade, ela depende dos pais para ir e voltar das festas e de ônibus lotados para chegar até o trabalho.
Não é à toa que todo tijucano é fascinado pela possibilidade de alcançar os 18 anos e conquistar a carteira de motorista. Ele está descobrindo os prazeres da Zona Sul mas a praia ele não trai. Continua sendo a mesma Barra, para qual, antes, ele ia de 233 com a prancha de surfe ou de bodyboard apertada no estreito corredor do ônibus.
A entrada no mundo mágico da Zona Sul, entretanto, tem um preço. Dos amigos moradores de Ipanema ou Copacabana o tijucano sempre ouve uma explicação para o atraso: o “fuso horário”. Flávia Monteiro conhece estas brincadeiras e conta que muitos dos seus amigos a chamam de “tijuquinha”.
Erasmo Carlos não enfrentou este tipo de preconceito. Ele foi um tijucano não típico, verdadeiro transgressor para os anos 60, que costumava se reunir com Jorge Ben Jor e depois com o morador do Lins Roberto Carlos, no bar Divino, na Rua Haddock Lobo, que existe até hoje:
— A Tijuca, junto com o Méier e a Pompéia em São Paulo, tem a honra de ser o berço do rock brasileiro. Eu lembro que a gente ficava ali no bar paquerando as menininhas que saíam do Cine Madri, entre uma briga e outra. Depois, aparecia um violão e não queríamos sair de lá por mais que o dono do Divino quisesse descer as portas. Acabavam chamando a polícia, que levava o nosso violão e nos deixava na rua. 
Como o delegado só devolvia o violão na manhã seguinte, passamos várias noites na porta da delegacia.
Se o rock nasceu na Tijuca, de lá para cá nada mais aconteceu. Apesar de ser, ao lado de Copacabana, o bairro que tem o maior número de cinemas do Rio, a Tijuca só assiste filmes comerciais de grande sucesso. Os teatros nunca tiveram uma vida longa.
Esta história só começou a ser quebrada com o novo aproveitamento do Teatro do Sesc e a inauguração do Teatro Ziembinski. O ator e diretor Walmor Chagas, à frente do Ziembinski, enfrenta a falta de tradição cultural do bairro e o preconceito do morador da Zona Sul em atravessar o túnel.

— Aliás, eu não acho nem mesmo que seja preconceito. É, simplesmente, outra cidade. O carioca da Zona Sul não vem à Tijuca porque ele não conhece o bairro e acha distante vir para cá. Uma das atrizes do elenco que está ensaiando a peça “Eu me lembro”, aqui no teatro, é tijucana. Ela conta que era obrigada a dar suas festas de aniversário na casa de amigas, na Zona Sul, porque, se desse em sua casa, ninguém aparecia.
Mas Walmor acredita que esta situação pode ser modificada. Ele garante que 70 por cento de seu público é formado por moradores da Tijuca e bairros vizinhos. Para ele, as razões para nenhum teatro ter conseguido sucesso no bairro é a falta de regularidade e de bons espetáculos. 
Mesmo sofrendo os preconceitos ou as brincadeiras do carioca da Zona Sul e sem muitas opções de lazer depois das 22h, o tijucano é arraigado à sua terra. Aceita as críticas com um sorriso amarelo, quando não parte para a briga na defesa pelo seu bairro. Afinal, como diz Natália do Vale na última cena de “A partilha”:
— Eu não deixo a minha Tijuca por nada deste mundo. 

21 de mar. de 2014

Sociabilidades no Café Palheta

Balcão "bunda-de-fora" do Café Palheta, hoje, dentro da Drogaria Venâncio, na Praça Saens Peña

Não importa qual seja a hora do dia: compareça ao balcão do Café Palheta e verás que ele continua abarrotado de gente. Tradição tijucana, hoje ele funciona como uma espécie de “bunda-de-fora” dentro da Drogaria Venâncio, na Praça Saens Peña, no mesmo local onde funcionara até o longínquo ano de 2003, quando encerrou suas atividades vendendo, naquele momento de crise, comida a quilo self-service para angariar novos fregueses. No entanto, mesmo que já não conserve a pompa da antiga loja, tampouco ofereça lugares para sentar, continua sendo uma referência e o melhor custo-benefício da praça.

O cafezinho do Palheta não tem mistério, nem sabores gourmet, nem qualquer outro tipo de firulas. É o cafezinho básico e ponto. Custa R$ 1,90 e pode vir pingado também, conforme a vontade do freguês, que geralmente pede a broa de milho como acompanhamento, servida sempre muito quentinha pela bagatela de R$ 3,00. Não é barata, convenhamos, mas tem um bom tamanho e, comparada à concorrência, como já lhes disse, oferece mais vantagens.

A clientela é predominantemente da terceira idade, muito embora seja possível avistar, de vez em quando, algum jovenzinho emburrado acompanhando a avó. Eu, por minha vez, voltei a frequentar o Palheta há pouco tempo, pois, como todo jovem, achava que era um lugar exclusivamente de “velho”. Peralá, não era bem assim. Por recomendação de alguns amigos na faixa dos vinte anos que também deram o braço a torcer, descobri que certos produtos ali podem ser bem mais gostosos do que no Starbucks, por exemplo, reduto-juvenil-cafeteiro-do-Shopping-Tijuca. E muito mais em conta, como o cappuccino ou os cookies do Palheta, que também vêm aquecidos.

Um pingado + uma broa de milho: pedido manjado no Palheta


Quem toma café no Palheta, acompanha, de perto,
o vaivém da Conde de Bonfim
Ainda falando em comida, o balcão do Café Palheta vende, além da broa, pão de queijo, pastéis integrais, tartaletes de morango, mil folhas de chocolate, café com chantilly, mas não tem sorvete, o que era o “carro-chefe” da casa nos tempos áureos. Também, é compreensível: é um lugarzinho bem apertado. Eles apostam em lanches mais liquidáveis e com armazenamento mais prático. Por outro lado, tomar o cafezinho da tarde no Palheta também pode oferecer uma boa experiência antropológica...

Estando lá, sou introduzido às conversas mais variadas que se possa imaginar. Basta apoiar os cotovelos sobre o balcão à espera do pedido e olhar em volta para que o contato visual seja efetuado. Não deu outra: fui “capturado” certa vez por um senhor, marinheiro aposentado septuagenário, que começou a verbalizar sobre as bundas apaixonantes que ele já tinha visto na vida, mais ou menos iguais aquela da moça boazuda que vinha passando pela Conde de Bonfim em trajes apertados de ginástica, ele apontou com o dedo. Sorri, como quem concorda ou está aberto à conversa, mesmo que apenas para insinuar educação. A partir daí, tive de escutar as aventuras e conselhos sexuais de um estranho no balcão do Palheta em pleno horário bancário.

- Não tenha uma namorada, não, meu amigo, tenha pelo menos três, pois se uma delas te der o fora, você vai estar munido, tendeu, não vai ficar carente... – ele me aconselhou.

- Vocês continuam uns cafajestes – balbuciou, com risinhos, uma senhora ao meu lado, que, sem pudores, foi ouvinte, sem querer, da narrativa nada tímida do marinheiro.

Dei meu último gole na xícara pelante do Palheta, acenei e tchau, até a próxima. Nessa “próxima”, aliás, que aconteceu num intervalo de uma semana mais ou menos, também fui capturado pela velha-guarda do Palheta, mas para falar sobre artrose. Essa Tijuca é muito efervescente e eu me divirto com ela.

19 de mar. de 2014

Manhã dominical na Praça Afonso Vizeu

O chafariz francês do Alto da Boa Vista que, antigamente, localizava-se na Praça Onze

No fins de semana do verão, há os tijucanos que rumam para a praia ou para o clube, enquanto há outros que preferem fazer passeios tão refrescantes quanto, mas distantes da muvuca do balneário ou dos parques aquáticos. Incluo-me nesse último caso, consciente de que sou dos poucos que, ao invés de continuar seguindo viagem no 302 (antiga linha 233, Rodoviária-Barra da Tijuca) para a praia da Barra, acaba dando sinal e desembarcando ali mesmo na Praça Afonso Vizeu, o coração do Alto da Boa Vista.

Foi o que aconteceu nesse último domingo 16 de março, quando os termômetros da Praça Saenz Peña estavam marcando temperaturas ao redor dos 39 graus Celsius às 10h30 da manhã. Acenei, então, para o coletivo, muito embora já soubesse que não daria continuidade à viagem até a Barra da Tijuca. Pararia no Alto para desfrutar um pouco do clima ameno da região. Já tinha experimentado o passeio outras vezes e gostei, principalmente porque não tenho carro; vivo do transporte ativo. Assim, a praticidade de se passear pelo Alto indo e voltando de ônibus é um privilégio, sobretudo para nós, tijucanos, que contamos com tantas linhas que percorrem o Alto da Boa Vista, nosso quintal.

Apesar de muita gente reclamar deste percurso, não tem nada mais gostoso do que “subir” o Alto por meio de suas estradas longas e sinuosas. Basta o ônibus sair do Largo da Usina e adentrar a Avenida Edson Passos para o meu humor melhorar, salvo em casos de se estar com hora marcada na Barra e, por isto, desejar que o ônibus voe! Mas, repare bem, caro leitor: neste trajeto, sente-se a temperatura cair progressivamente enquanto os tipos arquitetônicos mais imponentes da região se descortinam pela janela do veículo. O cheiro de mata fresca também invade as nossas narinas, sem falar no ruído relaxante de uma ou outra queda d’água que aparece no meio do caminho. A urbe, ali, fica definitivamente pra trás.

A Praça Afonso Vizeu congrega os elementos ideais para a realização de atividades físicas e recreação infantil
Exemplo art déco na Avenida Edson Passos

O Bar da Pracinha, ao fundo, com o chafariz
Após alguns sacolejos por ruas que serpenteiam a floresta, o ônibus chega à parte plana do Alto, a Praça Afonso Vizeu, após uma viagem de aproximadamente 20 minutos a partir da Praça Saenz Peña. Essa praça também pode ser vista como benção, pois trata-se de um dos espaços públicos mais bonitos do Rio! Colada à entrada da Floresta da Tijuca, a Afonso Vizeu é arejada, infinitamente arborizada e, para completar, bem conservada. Sempre quando chego por lá, fico hipnotizado com o chafariz no centro do local. Obra do renomado arquiteto francês Grandjean de Montigny, ele conserva água fresca e limpa cujo reflexo, graças à luz solar tão potente das manhãs, incide sobre a base do monumento criando, assim, um visual incrível.

Em determinadas épocas do ano, o solo da praça fica todo coberto por um tapete de pétalas cor-de-rosa, todas despedaçadas, caídas de alguma árvore dali que eu não sei o nome. Parece cenário de casamento a céu aberto. Ciclistas que vêm do Horto e da Vista Chinesa, em trajes apropriadamente desportivos, perpassam pela Afonso Vizeu rumo à Floresta, enquanto famílias e casais realizam o desjejum ou tomam um simples choppinho nas mesas ao ar livre do Bar da Pracinha, extinto Robin Hood Pub.

Quem não quiser consumir na Praça Afonso Vizeu – no Bar da Pracinha, melhor dizendo –, não precisa desistir de visitá-la. Recomenda-se levar um livro ou uma cadeira de praia; vá acompanhado de amigos, aproveite o entorno bucólico para relaxar ao gorjear dos passarinhos. Observe, também, a diversidade de cores da flora local. Admire as casas que margeiam a praça, como o belíssimo exemplar art déco de Lucrezia Maria Petrelli, com seu belo painel em motivos florais na fachada. Ou então, bem ali na esquina com a entrada da Floresta, a nobre casa construída em 1865 pelo inglês Bartlett-James.

Depois de tudo isso, de espreguiçar-se e alongar-se, de sentir ar puro, caminhe um pouquinho mais e vá até à Cascatinha, distante apenas cinco minutos a pé da praça. Deixe-se magnetizar por essa cortina de água; adormeça, em pé mesmo. Se a temperatura aumentar - o Rio é úmido, sente-se calor facilmente -, refresque o rosto com a água gelada e natural que sai da boca de um "leão" que a despeja sobre uma luxuosa, mas velha banheira oitocentista. Seu dia estará salvo, garanto. E tudo "patrocinado" pela Tijuca.

A Cascatinha, a cinco minutos a pé da Praça Afonso Vizeu

15 de mar. de 2014

E o metrô finalmente chegou às imediações da Rua Uruguai

Tijucanos ansiosos pela abertura da estação Uruguai na Rua Itacuruçá na manhã de sábado (15)

Mesmo após uma noitada no Bar do Momo, regada a muita cerveja, bolinho de arroz, aparecidinho de carne seca e jiló com provolone (tais detalhes ficarão para uma próxima postagem, afinal, o reduto é tijucaníssimo), decidi obedecer ao alarme do despertador e me levantei da cama, ainda sonolento, disposto a caminhar da região da Praça Saens Peña até a Rua Uruguai. O propósito? Participar da inauguração do novo terminal da Linha Um do metrô carioca, a estação Uruguai.

Tem gente que não se encanta em participar, assim, tão ativamente dos acontecimentos dos bairros onde moram, mas aqui na Tijuca tenho a impressão de que as pessoas apreciam esses tipos de evento. A inauguração das três primeiras estações metroviárias na região, em 1982, por exemplo, foi uma grande festa entre os tijucanos. Depois de seis anos sofrendo com as obras do metrô e todos os seus efeitos colaterais, sobretudo na Praça Saens Peña, finalmente puderam ver o progresso chegando por essas bandas. E, desde então, o metrô continua se expandindo lentamente pelo Rio. Ou seja, a abertura de uma nova estação é sempre acompanhada de muita euforia. Foi com base nisso que decidi partir para lá um pouco antes das 10 da manhã. Queria fazer parte desse dia histórico para a Tijuca!

O único acesso aberto era o da Rua Itacuruçá, onde havia uma expressiva aglomeração de moradores e curiosos no aguardo para o primeiro sinal de “passagem liberada”. Tijucanos das antigas comentavam sobre a tão esperada estação de metrô nesse local. Uns, mais calorosos, ecoavam frases como "Agora estamos mais perto da zona sul!", enquanto outros, mais críticos, divagavam sobre a possibilidade do metrô ir parar no Andaraí e no Grajaú. Estudantes do Colégio Palas, animados com a balbúrdia, circulavam entre grupos de senhoras que posavam para fotos diante do letreiro da Estação Uruguai. Do alto dos prédios, famílias observavam a multidão lá embaixo com alegria e ansiedade no semblante. Sim, estavam todos muito felizes.

A plataforma da estação Uruguai: cores vivas
Por outro lado, demorou bastante para que as coisas ali começassem a fluir. O pessoal já estava impaciente e cogitando ir embora quando, depois de um atraso de 45 minutos em relação ao horário de abertura anunciado, passamos a ouvir o discurso do secretário de transportes Júlio Lopes ressoando pela escadaria e chegando até a população do lado de fora, na Rua Itacuruçá. Foi nesse momento em que "as meninas do Metrô", mocinhas muito bem apresentáveis com uniforme do Metrô Rio, passaram a liberar o nosso acesso em grupos de dez. Por acaso, eu estava contemplado neste grupo. Eu e mais um bando de senhoras.

O saguão da estação Uruguai estava tomado por repórteres e políticos, além de convidados especiais. Gente da Tijuca, por exemplo, como o Jaime Miranda (presidente da Associação Comercial e Industrial da Tijuca) e o administrador regional Nelson Aguiar, além de comerciantes tradicionais. Logo na descida havia uma mesa com sucos, café, canapés e sanduichinhos. Um coquetel que, mesmo sendo muuui singelo, atraiu a atenção imediata das "tias" que estavam no meu grupo. Um beijo para elas, aliás, todas muito simpáticas e gentis em me chamarem de "pão".

No centro da roda envolta por câmeras de TV, microfones e gravadores, encontravam-se o governador do Estado do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, o alcaide Eduardo Paes, o vice-governador Luiz Fernando de Souza, o Pezão, e, como já foi citado, o secretário de transportes. Uma passagem curiosa do discurso, que era alternado a todo momento para cada uma destas figuras, foi o anúncio certeiro, cheio de convicção, por parte de Sérgio Cabral, de que o Pezão seria o nosso futuro governador. Os convidados, ali, todos muito simpatizantes com o PMDB, gritavam em uníssono o nome de Pezão, bem como aplaudiam incansavelmente quaisquer promessas escapulidas pela trupe no microfone.

Depois de tanto blablablá é que, por fim, foi dado o sinal verde para que todos embarcassem no trem em direção à Praça General Osório. A primeira viagem aconteceu por volta do meio-dia e com vagões não tão lotados, apesar da grande quantidade de pessoas que assistiram à cerimônia. Câmeras não paravam de clicar em um só momento, sobretudo as dos moradores da Muda e Usina, entusiasmadíssimos com a ideia de poderem, a partir de hoje, embarcar no metrô sem precisarem de ônibus-integração, cujo serviço continuará existindo tendo como ponto final a Saens Peña.

O saguão com as catracas, ainda vazio, enquanto a campanha política rolava solta ao lado

Acompanhado de amigos, viajamos até a estação Saens Peña, onde pudemos ter uma dimensão ainda mais crítica do metrô nessa fase pós-Uruguai. Explico-me: a organização espacial da estação Saens Peña ainda está configurada como uma estação terminal, o que deixou de ser. Faltam-lhe novas sinalizações, reordenamento das catracas, assim como das escadas de acesso e saída, sem mencionar o alargamento urgente das plataformas, muito estreitas para a quantidade abundante de usuários que passam diariamente pela praça.

Do jeito que a estação Uruguai do metrô ficou bonita e, de certo modo, luxuosa, tudo indica que Saens Peña, São Francisco Xavier e Afonso Pena, que não são reformadas desde os anos 1980, serão as “primas pobres” da Uruguai. Essa alcunha é o de menos; o pior, eu palpitaria, é o descontentamento, agora, dos usuários da Praça Saens Peña, que não mais viajarão sentados como lhes foi costumeiro por mais de 30 anos. Take it easy, minha gente.

12 de mar. de 2014

O Cristo e o Pão de Açúcar

O Cristo + o Pão de Açúcar: a "vista privilegiada" da Zona Sul também está na Tijuca.

Quem disse que da Tijuca não dá para ver o Pão de Açúcar e o Cristo juntos? Sucesso quando publicada na página Tijuca Depressão do Facebook, com 1 425 curtidas e 265 compartilhamentos, essa imagem foi tirada por mim no Natal de 2011 enquanto caminhava pela Praça Afonso Pena.

Eu sempre gostei da Praça Afonso Pena – ou melhor, da Praça Castilhos França! – não só pelo seu belo ajardinado e grandiosidade pública, mas também porque é um dos poucos lugares da zona norte de onde se vê tão de pertinho, assim, o Corcovado com uma das sete maravilhas do mundo no seu topo.

Como a filial do supermercado Pão de Açúcar fica bem ali ao lado da praça, na Rua Doutor Satamini, foi inevitável enquadrar, na câmera, o Cristo com o letreiro do mercado que leva o nome de outro monumento natural carioca . A piada, no caso, aludiu às vistas mais privilegiadas da cidade cujas quais apenas alguns bairros se gabam de tê-las, como Botafogo, Urca e Flamengo, por exemplo.

Pois é, senhores, agora vocês já sabem que da Tijuca nós também vemos o Cristo e o Pão de Açúcar juntos. Mais respeito... (risos).

8 de mar. de 2014

Tributo tijucano ao Almirante Cochrane

Monumento ao Lord Cochrane situado no Largo Atumã, entre as ruas Santo Afonso e Almirante Cochrane

Centenas de veículos passam diariamente pelo Largo Atumã, uma bifurcação na Rua Almirante Cochrane que direciona o motorista tanto para a Praça Saens Peña como para a Rua Santo Afonso, rua contígua ao largo. Como bom passeador - e, sobretudo, pedestre -, eu diria que esse é um dos trechos mais caóticos da Tijuca hoje em dia. O espaço é pouco humanizado (não há árvores nem sombras, tampouco faixas de travessia), sem mencionar a desordem urbana em torno das kombis que fazem uso do Largo Atumã como embarque e desembarque de passageiros.

Por outro lado, poucos sabem que é nesse, hoje, desvalorizado Largo Atumã onde se encontra um dos muitos bustos e monumentos pouco célebres da Tijuca: o tributo ao Sir. Thomas Alexander Cochrane, o Almirante Cochrane, militar inglês que prestou muitos serviços à Marinha Imperial brasileira. Também conhecido como o Conde de Dundonald e Marquês do Maranhão, o lorde contribuiu expressivamente com o movimento de independência no norte do país.

O monumento foi feito através de uma base retangular de pedra cujo centro abriga uma placa de bronze circular, muito similar a uma moeda, com o desenho do almirante e os dizeres "Lord Cochrane". Logo abaixo da "moeda", outra placa informativa acerca da figura ilustre, que, como foi citado anteriormente, também dá nome à rua onde se situa o Largo Atumã.

Uma curiosidade é que esse tributo foi inaugurado em julho de 1970 pelo então governador Negrão de Lima durante a "Semana da Tijuca", um evento promovido por diversas associações tijucanas, como a ACIT e os clubes, objetivando o enaltecimento do bairro da Tijuca através de descontos nas lojas da região, concertos e concursos musicais no Tijuca Tênis Clube, desfiles de moda na tradicional Socila Tijuca (que ainda existe ali na Rua Padre Elias Gorayeb) e encontro de autoridades da época com tijucanos. Num desses encontros, um grupo de mães protestava contra o fato de que a Escola Municipal Laudímia Trota, na Rua Antônio Basílio, seria transformada em uma espécie de "centro experimental", o que possivelmente confrontaria o método tradicional de ensino ao qual seus filhos estavam acostumados.

7 de mar. de 2014

Direto da Rua Professor Lafayette Côrtes, o edifício Cibrasil!

Ilustração do livro de Cynthia Howlett reproduz a monumentalidade do Edifício Cibrasil, na região da Rua Dulce


Foi uma grata surpresa folhear o recém-lançado livro bilíngue de Cynthia Howlett (Alma do Rio/The Soul of Rio, Editora Réptil, R$ 39,50 na Travessa) e me deparar com um capítulo exclusivamente dedicado ao bairro da Tijuca. Para quem é do Rio e costuma folhear os guias turísticos publicados sobre a cidade, sabe bem que a Tijuca é ignorada dada a sua falta de atratividades turísticas comerciais, muito embora seja uma região significativamente histórica da cidade e que abriga, nas suas cercanias, o estádio do Maracanã e a floresta que leva o nome do bairro.

Cynthia Howlett remou contra a maré e dissertou um pouco sobre o bairro, de forma comedida e sem muita intimidade - afinal, a moça é cria da Zona Sul -, mas que valeu a pena pela lembrança. Mesmo que as fotografias da Praça Saens Peña, símbolo-mor do bairro, tenham sido substituídas pelas do estádio do Maracanã como referência tijucana, há uma agradável surpresa no Alma do Rio/The Soul of Rio: um croqui pra lá de simpático do anônimo edifício Cibrasil, da autoria de Juliana Yue, a ilustradora do livro. 

Você, tijucano, o conhece? Pode ser que de nome, não, apesar de já ter ouvido falar nas ruas Dulce e Professor Lafayette Côrtes, certo? O edifício Cibrasil, esse que você pode ver nas imagens, fica na esquina da Lafayette Côrtes com a General Marcelino, bem nos fundos do Colégio Militar, às margens da imponente Pedra da Babilônia. Região da São Francisco Xavier e Almirante Cóchrane. Localizou? É difícil mesmo de situar-se caso você não disponha de um mapa. Os próprios tijucanos se confundem com as suas ruas e tal qual foi a minha surpresa de logo a Cynthia Howlett - mais uma vez, cria da Zona Sul - supostamente conhecer e ainda colocá-las no seu livro.

O Cibrasil é um daqueles edifícios clássicos dos anos 1940 que tanto embelezaram bairros como a Tijuca, Flamengo e Copacabana (sobretudo nos arredores da Praça do Lido) e que hoje sobrevivem a custa de muito interesse por parte dos seus proprietários, que nem sempre estão interessados - ou possibilitados, financeiramente falando - em preservar tais prédios. É uma manutenção, por vezes, langorosa. O Cibrasil faz parte desse rol de joias arquitetônicas da cidade que não recebem o devido cuidado, mas que, por outro lado, continuam adornando as nossas ruas.

A garça feita em chapa de ferro no topo do Cibrasil: joia arquitetônica tijucana

Ele se parece a um castelinho, e sua cor acinzentada, meio pálida, atenua o impacto das pequenas descaracterizações aplicadas à fachada. A entrada possui um elegante portão verde de ferro cujos detalhes dourados, em formato de ondas, se parecem a bigodes muito bem penteados. Os arabescos, preenchidos por azulejos floridos, compõem toda a fachada da torre com um charmoso vitral por onde passa a escadaria do Cibrasil. Os antigos jardins do pátio interno do edifício, no entanto, clamam por melhores cuidados - tornaram-se um amontoado de matos e folhas sem intenção paisagística alguma.

Por último, peço ao leitor (e futuro pedestre da rua!) que observe o topo da torre do Cibrasil: o telhado tradicional, em formato circular, comporta uma garça composta em material ferroso que, além de ser um belíssimo e incólume adorno, também se assemelha a uma rosa-dos-ventos.

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