21 de mar. de 2014

Sociabilidades no Café Palheta

Balcão "bunda-de-fora" do Café Palheta, hoje, dentro da Drogaria Venâncio, na Praça Saens Peña

Não importa qual seja a hora do dia: compareça ao balcão do Café Palheta e verás que ele continua abarrotado de gente. Tradição tijucana, hoje ele funciona como uma espécie de “bunda-de-fora” dentro da Drogaria Venâncio, na Praça Saens Peña, no mesmo local onde funcionara até o longínquo ano de 2003, quando encerrou suas atividades vendendo, naquele momento de crise, comida a quilo self-service para angariar novos fregueses. No entanto, mesmo que já não conserve a pompa da antiga loja, tampouco ofereça lugares para sentar, continua sendo uma referência e o melhor custo-benefício da praça.

O cafezinho do Palheta não tem mistério, nem sabores gourmet, nem qualquer outro tipo de firulas. É o cafezinho básico e ponto. Custa R$ 1,90 e pode vir pingado também, conforme a vontade do freguês, que geralmente pede a broa de milho como acompanhamento, servida sempre muito quentinha pela bagatela de R$ 3,00. Não é barata, convenhamos, mas tem um bom tamanho e, comparada à concorrência, como já lhes disse, oferece mais vantagens.

A clientela é predominantemente da terceira idade, muito embora seja possível avistar, de vez em quando, algum jovenzinho emburrado acompanhando a avó. Eu, por minha vez, voltei a frequentar o Palheta há pouco tempo, pois, como todo jovem, achava que era um lugar exclusivamente de “velho”. Peralá, não era bem assim. Por recomendação de alguns amigos na faixa dos vinte anos que também deram o braço a torcer, descobri que certos produtos ali podem ser bem mais gostosos do que no Starbucks, por exemplo, reduto-juvenil-cafeteiro-do-Shopping-Tijuca. E muito mais em conta, como o cappuccino ou os cookies do Palheta, que também vêm aquecidos.

Um pingado + uma broa de milho: pedido manjado no Palheta


Quem toma café no Palheta, acompanha, de perto,
o vaivém da Conde de Bonfim
Ainda falando em comida, o balcão do Café Palheta vende, além da broa, pão de queijo, pastéis integrais, tartaletes de morango, mil folhas de chocolate, café com chantilly, mas não tem sorvete, o que era o “carro-chefe” da casa nos tempos áureos. Também, é compreensível: é um lugarzinho bem apertado. Eles apostam em lanches mais liquidáveis e com armazenamento mais prático. Por outro lado, tomar o cafezinho da tarde no Palheta também pode oferecer uma boa experiência antropológica...

Estando lá, sou introduzido às conversas mais variadas que se possa imaginar. Basta apoiar os cotovelos sobre o balcão à espera do pedido e olhar em volta para que o contato visual seja efetuado. Não deu outra: fui “capturado” certa vez por um senhor, marinheiro aposentado septuagenário, que começou a verbalizar sobre as bundas apaixonantes que ele já tinha visto na vida, mais ou menos iguais aquela da moça boazuda que vinha passando pela Conde de Bonfim em trajes apertados de ginástica, ele apontou com o dedo. Sorri, como quem concorda ou está aberto à conversa, mesmo que apenas para insinuar educação. A partir daí, tive de escutar as aventuras e conselhos sexuais de um estranho no balcão do Palheta em pleno horário bancário.

- Não tenha uma namorada, não, meu amigo, tenha pelo menos três, pois se uma delas te der o fora, você vai estar munido, tendeu, não vai ficar carente... – ele me aconselhou.

- Vocês continuam uns cafajestes – balbuciou, com risinhos, uma senhora ao meu lado, que, sem pudores, foi ouvinte, sem querer, da narrativa nada tímida do marinheiro.

Dei meu último gole na xícara pelante do Palheta, acenei e tchau, até a próxima. Nessa “próxima”, aliás, que aconteceu num intervalo de uma semana mais ou menos, também fui capturado pela velha-guarda do Palheta, mas para falar sobre artrose. Essa Tijuca é muito efervescente e eu me divirto com ela.

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