18 de out. de 2014

Heitor Beltrão (parte 2): uma avenida que já foi de muitos endereços

Avenida Heitor Beltrão: por muito tempo, foi nome de quatro avenidas diferentes!

Imagine-se na situação de ser convidado por um amigo a visitá-lo em sua residência numa determinada rua X, mas que, no fim de contas, você acaba indo parar em outro lugar completamente diferente que também leva o nome de rua "X". Deu para entender? Confuso, não? Pois é. Por muito tempo, aqui na Tijuca, a Avenida Heitor Beltrão foi nome de quatro trechos de ruas completamente distintos. Segundo o caderno "Tijuca", de O Globo, de 25 de agosto de 1987, a confusão só não era maior porque - talvez pelo zelo das autoridades ou por puro acaso - as numerações das quatro avenidas não se repetiam. As ruas eram:


1 - Avenida Heitor Beltrão: trecho entre a Rua Professor Gabizo e a Rua São Francisco Xavier;
2 - Avenida Heitor Beltrão: trecho inaugurado em 1982, prolongamento do trecho citado acima, entre a Rua São Francisco Xavier e a Rua Conde de Bonfim, nas proximidades da Pareto;
3 - Avenida Heitor Beltrão: trecho entre a Rua Conde de Bonfim e a Rua General Roca, passando por trás da Praça Saenz Peña e atual Avenida Gabriela Prado Maia Ribeiro;
4 - Avenida Heitor Beltrão: trecho entre a Rua Desembargador Isidro e a Rua Conde de Bonfim, ao lado do Tijuca Tênis Clube e atual Rua Abelardo Chacrinha Barbosa.

Segundo o plano de arruamento do bairro, a ideia era que a Heitor Beltrão fosse idealizada como uma longa avenida que conectasse os arredores da Rua Professor Gabizo com a Rua Desembargador Isidro (percurso de quase dois quilômetros) a fim de criar um fluxo de trânsito no sentido Centro-Muda, descarregando assim, a já caótica Conde de Bonfim. Se analisarmos o propósito desse projeto num mapa, percebe-se que essa Heitor Beltrão, para sair do papel, teria de desapropriar imóveis em muitos logradouros, especialmente no eixo Alzira Brandão-Pareto e no eixo General Roca-Barão de Pirassununga-Desembargador Isidro, sendo este último jamais executado.

Deste modo, os quatro trechos que levavam o nome de Heitor Beltrão eram nada mais que o caminho planejado para que uma nova avenida surgisse na Tijuca. Entretanto, apenas o eixo Alzira Brandão-Pareto sofreu intervenções, como foi mostrado na postagem anterior, em virtude da chegada do metrô e do prolongamento da Heitor Beltrão sobre os trilhos subterrâneos da Linha Um. Outros projetos de abertura de ruas, previstos no plano de arruamento da Tijuca, também não tomaram forma, como, por exemplo, a conexão da Rua Barão de Itapagipe com a Rua Carlos Vasconcelos, discutido em O PASSEADOR TIJUCANO em abril de 2014.

Panorama da Avenida Heitor Beltrão nas redondezas da Marquês de Valença: pico do Grajaú ao fundo.

Além do alto custo das desapropriações, não se sabe bem quais foram os outros entraves que impediram a execução dessa grande "cirurgia urbana" na malha viária tijucana. Minha hipótese é de que as obras do metrô no bairro durante os anos de 1976 a 1982 causaram o caos suficiente para que a comunidade da Tijuca nunca mais aceitasse conviver novamente com intervenções de tal porte. Nessa época, a atuação da associação de moradores era incisiva e dispunha de muita força política, o que decididamente pode ter freado uma atuação mais ousada do governo nessa questão.

Acredito que o primeiro sinal de desistência de unificação desses quatro trechos tenha se dado a partir de 1989, quando a Heitor Beltrão que margeava o Tijuca Tênis Clube teve seu nome modificado para Abelardo Chacrinha Barbosa, em homenagem ao ilustre comunicador da TV brasileira falecido em 1988. Esse trecho, inaugurado durante os anos 1970, curiosamente nunca teve edifício ou qualquer tipo de residência; até hoje se trata de uma área livre com vista para as empenas dos edifícios de ruas vizinhas e local de pontos finais de ônibus, como a 634 (Saenz Peña-Freguesia) e a 636 (Saenz Peña-Gardênia Azul).

Por outro lado, o trecho vizinho correspondente à antiga Heitor Beltrão entre a Conde de Bonfim e a General Roca, sempre foi residencial e já teve outro nome antes mesmo de ter sido "Heitor Beltrão". O jornalista João Máximo, em "Rua, avenida, clube e amendoim" ("Tijuca", O Globo, 24 ago. 1995), afirma que esse trecho era chamado de Rua dos Trapicheiros pelo dela situar-se às margens do Rio Trapicheiros. Apesar disso, Máximo não comenta sobre a partir de que momento esta rua tornou-se, de fato, mais um fragmento da Heitor Beltrão.

Ao mesmo tempo, vale comentar que João Máximo indagava em sua crônica a verdadeira identidade deste Heitor Beltrão, pois afirmava conhecer três pessoas célebres de nome Heitor Beltrão: o ex-presidente do Tijuca Tênis Clube (TTC); o compositor da canção "Amendoim torradinho", interpretado pela cantora Sylvia Telles; e o advogado, jornalista e parlamentar recifense. Sua dúvida era se, por aleatoriedade, cada um desses trechos "perdidos" se referissem a cada uma dessas personalidades que, de maneira supostamente insólita, possuíam nomes idênticos.

Avenida Gabriela Prado Maia Ribeiro:
deixou de ser Heitor Beltrão em 2005
Na verdade, ele estava enganado, pois o ex-presidente do TTC e o advogado, jornalista e parlamentar, no final de contas, eram a mesma pessoa. Lili Rose e Nelson Aguiar, no clássico "Tijuca, de rua em rua" (Editora Rio, 2004), apontam que Heitor da Nóbrega Beltrão, apesar de ter nascido em Recife, tem sua história intimamente ligada à Tijuca, fato que, inclusive, tornou-o patrono do TTC, além da notória vida política e jornalística. Já o compositor de "Amendoim torradinho", seja dito de passagem, se chamava, na verdade, Henrique Beltrão.

Voltado à antiga Rua dos Trapicheiros e posterior Avenida Heitor Beltrão, em 2002 a Prefeitura resolveu criar mais uma pista ali para facilitar o trânsito dos veículos que vinham da Rua Soares da Costa para a Rua General Roca. No entanto, essa intervenção foi inexpressiva, o que só contribuiu ainda mais para torná-la uma rua sem identidade e ligeiramente mal cheirosa - é neste trecho onde o Rio Trapicheiros é mais poluído!

Por fim, em abril de 2005, dois anos após o assassinato por bala perdida da estudante Gabriela Prado Maia Ribeiro em assalto na estação São Francisco Xavier do metrô, a antiga Rua dos Trapicheiros (e depois Heitor Beltrão) foi renomeada em tributo à Gabriela, moradora do bairro, dando fim ao ao aspecto "fragmentado" da Heitor Beltrão. Isso não tirou-lhe, entretanto, o caráter polêmico e calamitoso, pois como veremos a seguir, é um dos principais logradouros que formam o "perímetro da decadência" no coração da Tijuca.


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