7 de fev. de 2014

Um cinema ainda intacto, mas fechado: o Tijuca Palace

Rua Conde de Bonfim 214
Arriscaria dizer que nove dentre 10 tijucanos emitem suspiros e sentimentos nostálgicos ao passarem pelos antigos cinemas da Praça Saenz Peña. Ali na Rua das Flores, bem em frente à praça, encontram-se cara a cara os extintos Carioca e América, onde funcionam hoje, respectivamente, uma igreja universal e mais uma das quinhentas filiais da Drogaria Pacheco no bairro. O mix de negócios da praça foi alterado em consonância com os tempos mudernos e violentos dos anos 2000. Em troca, edifícios emblemáticos como os destes cinemas continuam respirando por meio de outras demandas. Fachadas reconfiguradas, funcionalidades modificadas.

No entanto, não muito longe dali, caminhando em direção ao Largo da Segunda-Feira, depara-se com a galeria comercial no número 214 da Conde de Bonfim, entre as ruas Pareto e Conselheiro Zenha. Adentrá-la é uma volta ao tempo. Entre lojas singelas, uma meia dúzia de gatos que flanam pelos seus corredores e o logotipo do colégio Miguel Couto, jaz o antigo Cine Tijuca Palace, um dos muitos cinemas de rua da nossa Tijuca. Fechado em 1992, o letreiro persiste até hoje, mais de 20 anos após o encerramento de suas atividades. Compare as duas imagens abaixo.

Diferentemente dos outros cinemas, que rapidamente se transformaram em estabelecimentos comerciais de massa, o Cine Tijuca Palace foi dividido em duas salas e continua intacto ante os olhos dos poucos pedestres que se põem a observá-lo. O que mais chama a atenção é a preservação do espaço. Não se trata de uma preservação cuidadosa, apesar disso. É só a conservação daquilo que era original aos tempos áureos do cinema: as grades, a bilheteria, e muito certeiramente as poltronas no fundo das salas, pouco visíveis aos que espiam do lado de fora.


Observe como nada mudou, nem mesmo as grades. Até mesmo a marca do letreiro permanece igual.

Documentos da Prefeitura foram pregados junto a uma das vigas do Tijuca Palace e assinalam ao pedestre de que ali há vistoria com certa frequência. Já um outro aviso adverte o pedestre, veja só, que é proibido tirar fotos do cinema. Como não havia ninguém para brecar o passeador que sou, fiz uso do famoso jeitinho brasileiro e salvei algumas imagens no celular. Pelo menos essas, para a posteridade, eu terei. Já ver o Tijuca Palace reaberto, com tanto mercado e público afoito por ele, é uma incógnita.

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Em março de 1986, o caderno "Tijuca", do Jornal O Globo, publicou a matéria Cinema, boa pedida na Tijuca sobre a proposta inusitada do Cine Tijuca Palace em atrair um público alternativo: "espantar" os tijucanos mais tradicionais com a exibição de filmes de arte de autores consagrados na sala 1 e filmes de sexo explícito na sala 2. Chamando a Tijuca de uma "democracia cinematográfica", pela grande concentração de filmes variados sendo exibidos nas vizinhanças, a reportagem descreve as supostas "cenas hilariantes" daqueles que se chocavam no saguão do cinema à procura de filmes distintos. Os da sala 1, chamada de Tijuca Palace I, "afluem geralmente casais de namorados, quase sempre vestindo modelos da moda, bem ao estilo da classe média local". Na sala 2, a plateia era "eminentemente masculina" e com estratégias de entrada pra lá de discretas, já que nos anos 1980 a Tijuca era ainda mais conservadora do que hoje:

"O mais intrigante, no entanto, é que esse público - independentemente da idade - costuma ter uma estratégia comum. As pessoas percorrem a galeria do cinema olhando (ou fingindo olhar) todos os cartazes, como se estivesse muito difícil escolher entre duas programações tão diferentes e, depois de muito refletir, escolhem a bilheteria pornô. Mas o lance mais curioso acontece na hora de entrar: comprado o ingresso, uma olhada de 360 graus e a entrada mais do que rápida para evitar encontros indesejados."


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Para fim de conversa...
Incrível que estejamos no bairro onde mais se fatura em questões de cinema (Kinoplex Tijuca teve a maior média de público em 2009, segue o link http://goo.gl/WnBtn) e que, contudo, nenhum investidor se atreva a retomar os nossos cinemas de rua, largados por aí, passíveis de serem ocupados por qualquer coisa, menos por cultura ou diversão. Só nos resta exercitar o otimismo.

2 comentários:

Unknown disse...

Estive por ali ontem. Além de tudo permanecer como descrito no post ainda é possível sentir o cheiro de filme avinagrando, em algum lugar lá dentro persistem rolos de filme se decompondo

Angelo Rossi disse...

Ao que parece, o grupo Arteplex que já salvara o Coral e o Scala em Botafogo do mesmo dono do Tijuca Palace, a família Valansi, visitou o local para avaliações.
Infelizmente, o resultado parece ter sido negativo.
A Tijuca precisa de cinemas com uma programação diferenciada, pois cada vez mais estreiam filmes sem chegar ao bairro.

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