Eis um clássico de Aldir Blanc que merece ser compartilhado com os leitores de O PASSEADOR TIJUCANO. A crônica "O Tijucano", escrita por ele nos anos 1970 e que faz parte da antologia Rua dos Artistas e arredores (Editora Codecri, 1979), é uma dessas exemplares literaturas que mais bem refletem o ethos tijucano. Coloco-a aqui como ilustração ao mini-doc inserido no final deste post, divulgado por Fabrício Gonçalves em sua página do Facebook, trazendo Blanc e Moacyr Luz em forma de entrevista no Bar da Dona Maria, na Muda (se não me engano). Além disso, o vídeo apresenta filmagens inéditas da Praça Saens Peña nos anos 1950 cuja narração é, em grande parte, a leitura desta crônica.
BLANC, Aldir. Rua dos Artistas e arrredores. Rio de Janeiro: Editora Codecri, 1979. pp. 192-193.
O Tijucano, por Aldir Blanc
A verdade é que o Tijucano vive num dilema desgraçado. Considerado semi-ipanemense pelos suburbanos e tido como meio suburbano pelos ipanemenses, o Tijucano passa momentos difíceis num bairro impreciso.
— Tu mora aonde?
— Tijuca.
O autor dessa resposta pode morar no Largo da Segunda-Feira, no Maracanã, no Andaraí, em Vila Isabel, em Aldeia Campista... digamos que entre o Estácio e o Grajaú tudo é Tijuca.
Se vocês estão pensando que eu vou dizer “o Tijucano é um estado-de-espírito”, aqui ó!
O Tijucano é um estado-de-sítio.
Premido pelo sagrado horror da acusação de suburbano e sonhando, secretamente, com as mordomias ipanemenses, o Tijucano adota uma atitude blasé em relação a seu controvertido bairro. Acha a Tijuca “devagar, careta, meio-não-sei-como, sacou? ”
Saquei, bestalhão. A Tijuca é exatamente isso: meio-não-sei-como. Uma amostra magnífica do nosso querido Brasil.
O Tijucano não tem salvação. Pode fingir, fugir, mudar, inventar, mas será sempre tijucano. Mesmo que o corpo disfarce, a alma, como o criminoso, como o filho pródigo, voltará sempre à Tijuca.
Nenhum morador, de nenhum bairro, padece tanto do tal conflito amor-ódio como o Tijucano. Ele fala mal dos bares da Tijuca, mas não sai deles. Detesta os cinemas do bairro, mas raramente vai a outros. Venera as tangas, desde que não seja na mulher dele. É progressista, desde que o progresso não o afete. Esmera-se em sua descontração. Vigia sua esportividade. Obstina-se em sua espontaneidade. Por trás da indiferença, com que trata o bairro, esconde-se o orgulho. O maldito orgulho de ser Tijucano.
O Tijucano-Padrão é feito aquele amigo meu que pirou em plena Praça Saens Peña, tirou toda a roupa, subiu numa árvore e começou a gritar:
— A Tijuca é uma merda! Tô farto disso aqui! Num guento mais a Tijuca! É uma merda! Uma verdadeira merda!
Quando a ambulância chegou e meu amigo leu o que estava escrito nela, o escarcéu aumentou. Do alto da árvore, nu, mas em pose de senador, bravava:
— Pro Pinel, jamais! Nós, Tijucanos, temos nosso próprio sanatório!
BLANC, Aldir. Rua dos Artistas e arrredores. Rio de Janeiro: Editora Codecri, 1979. pp. 192-193.
Nenhum comentário:
Postar um comentário