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"Salve Tijuca", por Elli, na Rua Almirante Cochrane. |
Faço pós-graduação em Planejamento Urbano pela UFRJ e, numa das aulas de Cidade e Sociabilidade, começamos a discutir sobre o jeito de ser da Tijuca. Toda essa querela se deu após a leitura do capítulo “Muda – Quando se Muda”, do livro
Prosas Cariocas: uma nova cartografia do Rio de Janeiro (Casa da Palavra, 2004), organizado por Marcelo Moutinho e Flávio Izhaki.
A autora deste texto, a jornalista e atriz Bianca Ramoneda, exaltou sua relação com a Muda, onde residia – sublinhando enfaticamente a fase violenta da Tijuca, nos anos 90 e 2000 -, fazendo uma comparação com o momento em que finalmente deixou a região para morar num quarto-e-sala no Leblon. Pretendo comentar sobre esse texto em outra oportunidade, embora valha a pena destacar, diante do propósito deste
post, o seguinte trecho:
"Eu tinha 18 anos, morava na Muda, pequeno bairro dentro da enorme Tijuca, onde era feita a troca de bondes. Lindo bairro pra morar, se a sua ideia for passar os dias e, principalmente, as noites dentro de casa. Como uma legítima cidade do interior, na Muda o transporte acaba antes das 22 horas e é impossível comer um salgadinho onde quer que seja, pois não há nada aberto. A Muda tem um silêncio impressionante durante a madrugada, herança da proximidade com o Alto da Boa Vista, um silêncio que só é rompido pelo latido dos infinitos cães que reagem ao som de cada folha que cai no asfalto (p. 51).”
Apesar do cenário descrito acima ser da Muda – de fato, uma cidadela pra lá de pacata entre a Tijuca e a floresta –, muita gente ainda associa essa ideia de bairro “parado” à Tijuca como um todo. “Ah, não há vida noturna na Tijuca”, apontam alguns. Mas como não, cara pálida? E a boêmia dos arredores da Praça Varnhagen? O que dizer, então, da balbúrdia dos pés-sujos da Haddock Lobo?
No entanto, entendo o que querem dizer com isso, principalmente quando esse argumento vem de um tijucano menos esclarecido: a Tijuca não é o bairro da moda. Logo, o que há de entretenimento por aqui nem se compara à diversão cosmopolita de Botafogo, esse sim o bairro vitrine do Rio, cheio de novidades, bares estilosos que abrem e fecham conforme a demanda de público, shoppings, excelentes livrarias e cinemas badalados. Paraíso do consumo
cool, onde volta e meia me abasteço, é claro. Não há disso na Tijuca.
Por vezes não nos damos conta da influência impressionante que a publicidade e a mídia têm no nosso modo de viver. Neste sentido, o estilo de vida da zona sul (ou seja, o lugar que dita a moda) se impõe como padrão e, forçosamente, acabamos acreditando nessa concepção de que a Tijuca não é tão bacana assim. Daí surgem os argumentos mais ultrapassados possíveis contra este nosso vale: “bairro de gente velha e moralista”, “só tem farmácia”, “não tem praia”, “o lazer se resume ao shopping” etc.
Tá, tá, tá, tudo bem. O jeito como alguém gosta de se divertir é muito particular, não há como questionar. Se os encantos do capital são os que te cativam, é para a zona sul ou para a Barra que você, caro tijucano, deve ir mesmo. A Tijuca é prática e sem firulas, mantém a tradição, não se diversifica, com exceção do shopping center. Eu e minha família vamos sempre, há anos, no mesmo braseiro, o arrebatador Lareira, na Rua Major Ávila. Mas há quem prefira comer o mesmo galeto, e pagando talvez até mais caro, lá nesse tal de Braseiro do Baixo Gávea, lugar dos chamados
trendsetters (grosso modo, termo em inglês para dizer que alguém lança moda).
A vida cultural do Centro ou de Botafogo são irresistíveis, confesso. Só que também me invade uma sensação muito esquisita quando volto desses lugares, algo que nasce e cresce dentro de mim, sempre que saio do metrô e deparo com o chafariz da Praça Saens Peña ou cada vez que um 415 cruza o viaduto Paulo de Frontin, perpassa a Praça Afonso Pena e segue reto, toda vida, até chegar à Usina. Bate uma emoção em atravessar tantas ruas queridas, tantos monumentos esplendorosos como a Igreja de São Francisco Xavier e o Colégio Marista! O encantamento com a zona sul fica pra trás.
Voltar à Tijuca, após uma noitada na Lapa, por exemplo, é retornar literalmente para casa. A gente se diverte lá e regressa sabendo que na Tijuca encontraremos o descanso e o silêncio. O afastamento necessário à vida mundana exalada pelos bairros notívagos. É como se as nossas ruas respeitassem seus próprios relógios biológicos: durante o dia, vivacidade, à noite, adormecimento. O clima de família, ainda que ultimamente visto como um valor antiquado, tempera o nosso bairro com doses irresistíveis de hospitalidade.
Vendo assim, a Tijuca pode até ser um bairro meio sem nada para fazer mesmo, mas um bairro
apaixonantemente "parado".